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Trabalho com programação começa em espaços digitais que os estudantes já conhecem

Plataforma MakeCode apresenta a ciência da computação na prática para alunos e professores de diferentes etapas a partir de recursos como Minecraft, LEGO MINDSTORMS e micro:bit

Silvio Meira, pesquisador e engenheiro de software, disse em entrevista ao Porvir a seguinte frase: “Todo mundo que faz robótica está fazendo programação. Vem um mundo por aí em que uma das únicas demandas globais para trabalhadores é que eles tenham criatividade e capacidade de socialização com softwares de robôs”.

Essa frase foi dita em 2013 e, de lá para cá, o debate sobre programação só cresceu. Ao observar o pensamento computacional, e fazendo ligação com o que disse Silvio, não só o mundo do trabalho, como diversas outras áreas vão demandar que os estudantes entendam e percebam a importância da programação em suas vidas.

O professor Ramon Felizardo, que atua no setor de tecnologias educacionais do Colégio Paraíso, em Juazeiro do Norte (CE), conta que trabalhar com programação é, em primeiro lugar, fazer com que os estudantes sejam incentivados ao pensamento lógico e a imaginar diferentes maneiras de solucionar problemas. Nas palavras dele, seria como ensiná-los a “pensar fora da caixa”, visto que as maneiras de programar podem ser bastante distintas.

A escola onde leciona usa plataformas virtuais como a MakeCode, da Microsoft, que possibilita programar em diferentes ferramentas como Minecraft, Arcade (plataforma online de programação visual em blocos que permite aos estudantes criar seus próprios videogames) e sistemas de Arduino. Com alunos dos anos iniciais, eles trabalham noções simples de lógica em que precisam fazer ponderações sobre direcionamentos e decisões sobre percursos. A partir do 5º ano, a lógica de programação começa a ser inserida juntamente com outras disciplinas.

A plataforma pode ser usada tanto por professores quanto por desenvolvedores ou tradutores e é gratuita. No caso dos professores, existe uma série de cursos como Introdução à Ciência da Computação usando Minecraft, Introdução à Ciência da Computação com o computadores de bolso e de baixo custo Micro:bit e Circuit Playground, por exemplo. Os desenvolvedores encontram documentação e um GitHub para a troca de ideias e projetos.

Ensinar de forma lúdica, para o professor, é também uma das principais estratégias, visto que os estudantes, principalmente dos anos para os quais ele leciona – ensino fundamental 1 e 2 –, tendem a se engajar ainda mais quando o que estudam está relacionado com seus contextos.

Mas quando o assunto é engajamento, com os estudantes o processo tende a ser mais simples, comenta a professora Juliana Moni, assessora de tecnologias educacionais do Grupo A Educacional. O mesmo nem sempre acontece com os educadores quando são incentivados a trabalhar com programação.

De acordo com Juliana, os motivos podem ser os mais variados como, por exemplo, não se sentirem confortáveis com o uso de tecnologia, insegurança ou falta de formação.

A professora também pontua a necessidade de que os docentes tenham tempo de preparação e que fatores como a estrutura da escola sejam levados em consideração quando se pensa em incluir programação nos currículos.

Neste processo de envolver os professores com a linguagem de programação, a assessora sugere que tudo seja feito com um apoio reflexivo sobre a prática pedagógica em questão. Para ela, a partir do momento em que o educador para para refletir sobre os processos que está desenvolvendo e compreende que eles não são suficientes ao propósito é que a jornada pode começar. “Quando ele refletiu nisso e enxergou ali uma possibilidade de aplicação é que ele vai começar a pensar nesse uso [da programação]. Aí entra a hora da formação, que é quando ele está engajado”, afirma Juliana.

Teoria e prática devem andar juntas. Na formação docente para o uso de ciência da computação, é importante que haja espaço para a teoria, mas que a prática também não seja deixada de lado, comenta Juliana “O que a gente fala é que o professor quando vai dar aula de programação ou qualquer outro recurso de tecnologia ele é só mediador, porque nossos alunos são muito bons, qualquer aluno de 10 anos ‘dá um baile’ na gente. O professor não precisa dominar totalmente todas as possibilidades e ferramentas, mas ter um conhecimento básico sobre aquilo para auxiliar os estudantes.”

Programação e os estudantes

Na escola onde Juliana atua, a programação vem antes de iniciarem outras disciplinas. A estratégia é se apoiar na construção de um pensamento lógico que pode ser útil aos estudantes em outros contextos de diferentes conteúdos.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), traz em sua competência geral número 5 a previsão de que os estudantes devem ser capazes de “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.”

Juliana comenta que seus alunos são seres holísticos, não segmentados por disciplinas. Por isso, a maior parte dos projetos é multidisciplinar. A gente traz muito a língua inglesa por conta dos projetos de programação que têm base nesse idioma, então o professor de inglês sempre vem trabalhar junto com a gente”, exemplifica. Os projetos desenvolvidos por eles acabam sendo multidisciplinares e envolvem áreas como inglês, matemática e ciências.

Atualmente, a equipe trabalha em um projeto que mistura matemática e inglês. Os alunos ficaram encarregados de criar no Minecraft, usando o MakeCode, no qual devem refazeruns aos outros como personagens. A ideia do projeto é trabalhar saúde emocional. “É muito bacana porque eles estão fazendo não a si mesmos, mas aos outros. E aí depois tem um momento em que o outro vai olhar [o personagem] e perguntar: ‘Será que eu me identifico com isso que você fez?’ ou ‘Será que sou eu mesmo?’ E aí a gente abre toda essa reflexão sobre Constituição identitária”, comenta Juliana, que realiza o projeto em parceria com a professora de inglês Talita Destro.

Trabalhar com questões e atividades que já são do universo do estudante é sempre uma estratégia que funciona. Com elementos com os quais eles já estão familiarizados, ensinar a linguagem de programação tende a ser não somente mais simples, como também mais eficaz. Além disso, com a chance de encontrar plataformas abertas e relativamente acessíveis, o engajamento dos estudantes pode ser ainda mais fácil de acontecer.

Raniere Candido, diretor de Tecnologia da Informação e Inovação no Colégio Paraíso, o mesmo do professor Ramon, aponta que algumas disciplinas podem ser menos complicadas quando trabalhadas junto com a programação, mas garante que é possível pensar e planejar estratégias que envolvam áreas menos comuns, como língua portuguesa, por exemplo. “A gente vai por meio da gamificação, então fazemos uma pesquisa de jogos que podem ser usados para o raciocínio lógico e que façam a conexão com algum assunto que foi trabalhado por aquele professor”, explica o diretor.

Ele ressalta que o planejamento é necessário. Desenvolver uma cultura dentro da escola que valorize os espaços de práticas digitais é um importante passo no processo de trazer a programação para dentro da sala de aula. Como exemplo, ele cita que a coordenação sempre sugere que os docentes prevejam em seus planos de aula ao menos uma delas para trabalhar em conjunto com uma área diferente sobre essa perspectiva de conectar diferentes conhecimentos por meio das tecnologias digitais.

Não apenas o pensamento lógico e computacional está sendo desenvolvido nas aulas de programação, como também a própria criatividade dos estudantes. Para Raniere, a partir do momento que se permite aos estudantes construir e programar com base em temáticas que eles gostam, maiores as chances de desenvolverem a criatividade de maneira expansiva.

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira 

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