STEAM e aprendizagem maker: quais as semelhanças e as diferenças?
Professores e especialistas explicam como as abordagens se encontram ao articular as áreas do conhecimento e a Base Nacional Comum Curricular
“As vantagens são muitas: o interesse, a curiosidade e a criatividade dos alunos são bastante aguçados e percebe-se o envolvimento deles, pois, geralmente, gostam muito de atividades práticas e essa abordagem possibilita isso de maneira muito efetiva.” O relato é de Alexandre Flávio Silva, professor 5º ano da Escola Municipal Promorar, no município João Monlevade (MG). Mas você sabe a qual abordagem ele está se referindo? Aqui vai mais uma dica: ela usa metodologias ativas e, portanto, coloca o aluno no centro do processo de construção de seu próprio conhecimento.
Alexandre é mais um adepto da abordagem STEAM, um acrônimo para as palavras (em inglês) ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática. Na sua turma, ao observar que diversos estudantes tiveram familiares acometidos pela dengue, o professor decidiu levar esse tema para a sala de aula de uma forma diferente. A partir do problema inicial, estimou os alunos a pensarem em estratégias para eliminar os focos do mosquito Aedes Aegypti.
O projeto teve diversas etapas, desde a pesquisa e problematização até a ideação de soluções. “Os estudantes se envolveram bastante, com grande interesse na realização das atividades, principalmente na prototipagem. Eles se empolgaram muito, porque as atividades práticas realmente despertam muito interesse, ainda mais quando se muda a configuração tradicional da sala de aula em agrupamentos diferenciados. O engajamento foi visivelmente maior que nas atividades tradicionais”, conta.
Lilian Bacich, líder pedagógica na Tríade Educacional, explica que não se trata de uma metodologia, e sim de uma abordagem que incorpora princípios do construcionismo, o que, por sua vez, envolve mão na massa e construção de protótipos físicos, por exemplo, assim como a aprendizagem maker.
“No caso da abordagem STEAM, os problemas a serem resolvidos foram desenhados e planejados a partir da BNCC [Base Nacional Comum Curricular], além de uma visão transdisciplinar que envolve diferentes áreas do conhecimento”, analisa.
STEAM e aprendizagem maker: qual é a diferença?
Mais do que diferenciar a abordagem STEAM da aprendizagem maker, Lilian aponta que uma inclui a outra. “Nós compreendemos que o maker está incorporado nessa visão da abordagem STEAM. Temos ações maker no processo do STEAM, como resolver um problema e construir um protótipo, mas esse processo tem, em sua essência, um planejamento que conecta e articula as áreas de conhecimento e a BNCC.”
Além disso, a educadora também pontua que o STEAM abarca a aprendizagem criativa, uma vez que os estudantes devem usar a criatividade para pensar em uma solução para o problema proposto e também para a construção do protótipo. “Entedemos que o ideal é que os projetos não sejam algo a mais na vida do professor, mas sim uma forma de, por meio de metodologias ativas, trabalhar o currículo da rede ou daquele ano específico de escolaridade. É aí que está o desafio”, avalia Lilian.
Ou seja, mais do que a atenção a um protótipo como resultado do percurso de aprendizagem, a abordagem STEAM também dá atenção a uma multiplicidade de etapas ao longo do caminho, como: pesquisa, leitura e interpretação de textos, construção de gráficos e tabelas em um processo de investigação, realização de medições, oficinas, entre outros elementos. “É por isso que chamamos de processo de aprendizagem e dizemos que há uma intencionalidade pedagógica conectada à BNCC até que o aluno chegue à construção do protótipo.”
Por onde começar
O município mineiro de João Monlevade é uma das localidades participantes da formação de educadores oferecida pela Liga STEAM – Estratégia para a Educação Brasileira, uma iniciativa lançada em 2022 pela Fundação ArcelorMittal, em parceria com a Tríade Educacional, com o objetivo de contribuir com os desafios atuais da educação e com o desenvolvimento do país.
O programa conta com diferentes frentes, e uma delas é justamente a formação em educação STEAM para educadores de redes públicas, desenvolvida em parceria com secretarias municipais e estaduais.
Para Alexandre, que já fazia uso da abordagem maker mas ainda não conhecia o STEAM, a formação foi uma oportunidade de expandir horizontes e começar ‘do começo’. Ele explica:
"O STEAM, apesar de fazer uso de ferramentas como a abordagem maker, aprofunda muito mais. Os aprendizados foram muitos, principalmente na estruturação de projetos. Criei uma nova concepção quanto à modelagem de projetos."
O educador também aponta que a forte ligação do STEAM com a BNCC facilita que o professor se atenha ao currículo, trabalhando habilidades e competências da BNCC pela abordagem STEAM, sem abrir mão do conteúdo.
Alda Ferreira, da Secretaria Municipal de Educação de João Monlevade, avalia que conhecer a abordagem STEAM foi um marco para a prática de muitos educadores, como Alexandre, pois puderam aprofundar reflexões sobre o planejamento e implementação de propostas na perspectiva da aprendizagem baseada em projetos, aspecto central no STEAM, aproximando a experiência de aprendizagem dos desafios do mundo real, e, com isso, tornado as aulas mais dinâmicas e interessantes.
“As habilidades exigidas neste século, como criatividade, colaboração, pensamento crítico, comunicação e resolução de problemas, contempladas na formação STEAM, colaboram para promover uma educação transformadora, estimulando os alunos a integrar conhecimentos de diversas áreas para pensar soluções criativas e inovadoras para problemas reais. É dessa forma que essa abordagem apoia o desenvolvimento de meninos e meninas e prepara os estudantes para o futuro.”
Intencionalidade e aprendizagem maker
Assim como o Liga STEAM, outra iniciativa que investe na formação de profissionais da educação é o Labcrie (Laboratório de Criatividade e Inovação para Educação Básica), iniciativa do Ministério da Educação, que tem como objetivo a implantação de espaços dinâmicos dedicadas à formação continuada de professores da rede pública de ensino em inovação e tecnologias educacionais. Os módulos da formação oferecida pelo Labcrie envolvem temáticas como: cultura e aprendizagem maker, gamificação, robótica educacional, aprendizagem criativa e educomunicação.
Esteice Janaina Batista, uma das articuladoras da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa) no Mato Grosso do Sul, professora da área de computação da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e integrante do NERDS (Núcleo Educacional de Robótica e Desenvolvimento de Software), explica que esse investimento na formação continuada é fundamental para que os educadores realmente consigam entender quais abordagens e metodologias podem ser usadas em sala de aula de forma que dialoguem com os conteúdos programáticos que precisam ser ministrados.
“Hoje, com esse boom da tecnologia, alguns professores acreditam que estão desenvolvendo todas as habilidades possíveis só usando, por exemplo, o Scratch em sala de aula. Mas, na verdade, é necessário entender que, na abordagem STEAM, há uma integração de disciplinas para promover as habilidades. Precisamos da formação continuada para promover esse casamento entre o planejamento das aulas e o uso de abordagens, metodologias e ferramentas integrado ao que se quer ensinar aos alunos”, avalia Esteice.
Trata-se, portanto, de uma questão de intencionalidade: a aplicação pura e simples de uma ferramenta ou metodologia com os alunos não basta; é necessário que não só o professor tenha uma verdadeira compreensão e promova a conexão com o conteúdo, mas também comunique aos estudantes, explicando de forma clara seus objetivos.
Para Esteice, essa intencionalidade pedagógica deve ser observada sobretudo no momento do planejamento das aulas – o que, invariavelmente demanda uma formação continuada para que os educadores conheçam e se apropriem de novas metodologias e abordagens –, que pode ser apoiado pela gestão escolar.
“Se não em todas as escolas, na maioria delas o planejamento passa por uma aprovação da coordenação antes de o professor ir para a sala de aula, e vejo que essa etapa de planejar é um pouco negligenciada. Os professores não conseguem conhecer todas as tecnologias que surgem a cada dia. É aí que entra o papel da coordenação de dar um apoio e avaliar se tal ferramenta ou abordagem está integrada de forma pedagógica.”
Consumidores e produtores
A questão da intencionalidade também pode ser observada no âmbito da tecnologia, que representa a letra T do STEAM. O capítulo 5 do livro STEAM em sala de aula: a aprendizagem baseada em projetos integrando conhecimentos na educação básica, do qual Lilian é uma das autoras e organizadoras, reforça que não se trata apenas da tecnologia digital, mas que também é possível trabalhar esse aspecto sem acesso a um grande leque de recursos.
Isso se conecta ao conceito de cultura digital trazido pela BNCC, que, por sua vez, também apresenta o contexto de alunos não só como consumidores, mas também produtores de tecnologia.
Lilian usa o exemplo do ChatGPT, que hoje deve ser encarado como uma realidade. No momento de investigação dentro de um projeto, são grandes as chances de os estudantes utilizarem a ferramenta de inteligência artificial para pesquisa. O que fazer nesse contexto? Para a educadora, o caminho é auxiliar os estudantes.
“Devemos orientar um consumo crítico. Se o ChatGPT falou, será que é isso mesmo? Como confirmar a informação e garantir que a resposta correta é essa? Não vamos conseguir fugir da inteligência artificial, precisamos saber como usar a partir de uma visão crítica da tecnologia, de que sou eu quem controlo e não sou controlado por ela”, completa.
Fonte: Portal Porvir - Maria Victória Oliveira