Programa leva discussão sobre cidadania para o Novo Ensino Médio
“Escola Cidadania Ativa”, do Politize!, promove o diálogo em sala de aula para que alunos sintam-se defensores da democracia
Em uma situação de crise política marcada por acirramentos que em determinadas situações chegam a envolver os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), explicar o contexto e convidar jovens para o debate é uma pauta urgente. Em diferentes redes públicas, essa tarefa tem sido promovida pelo Politize!, uma organização da sociedade civil que surgiu em Florianópolis (SC) na metade de 2015 com o objetivo de trazer o tema de maneira descomplicada e suprir a lacuna de educação política observada pelos fundadores na época.
“Quando pensamos no Politize!, nos ancoramos muito naquela vivência de 2013, quando a gente foi para as ruas. Eram muito jovens querendo que as coisas mudassem e a gente percebe que pouca coisa de fato mudou. Não por falta de vontade, mas por falta de conhecimento, de saber o que fazer com suas insatisfações”, diz Gabriel Marmentini, diretor executivo do Politize!.
Apesar de inicialmente ter como foco um público jovem entre 17 e 29 anos, a organização realiza trabalhos em escolas desde 2015, com oficinas por embaixadores voluntários. Com a reforma do Novo Ensino Médio aprovada em 2017, na qual as grades curriculares devem contar com 40% de carga diversificada e direcionada às áreas de conhecimento e formação profissional, o Politize! enxergou uma oportunidade para se fazer presente no ambiente escolar.
Foi nesse cenário que surgiu o programa “Escola Cidadania Ativa”. Destinado a alunos do ensino médio, consiste num itinerário formativo composto por 600 horas/aula e 20 módulos com conteúdo voltado à liderança e à cidadania. A trilha de aprofundamento traz abordagens voltadas ao desenvolvimento de competências e à realização de projetos práticos de intervenção cidadã.
O currículo proposto passa por três eixos estruturantes, sendo eles: cidadão, sociedade e governo, e abrange tópicos que discutem temas como a promoção do diálogo e da cultura de paz, a identificação e a resolução de problemas públicos e o combate à desinformação e às fakes news, entre outros. Todo o material pode ser adaptado à realidade local de onde for adotado, buscando versões que conversem com as especificidades dos currículos estaduais.
Além de ser usado como itinerário, as temáticas também podem ser aproveitadas como disciplinas eletivas. Os planos de aula chegam prontos para os professores e além de trazer anexos e atividades prontas, indicam como a temática pode ser trabalhada e quais metodologias ativas podem ser usadas.
O programa disponibiliza três disciplinas eletivas, sendo elas: “Informação e desinformação”, que tem como objetivo desenvolver o pensamento e a leitura crítica de informações recebidas e compartilhadas, e resulta na produção de um teatro ou curta metragem sobre as consequências da divulgação de informações sem checagem.
Em “Jornalismo, imprensa e democracia”, o estudante tem contato com os procedimentos e o propósito do jornalismo e seu papel no fortalecimento da democracia e das relações sociais e resulta na produção e divulgação de uma notícia a partir de um processo investigativo de um problema comunitário.
Uma terceira opção, “Entre o direito e a justiça”, resulta em um podcast com cinco episódios ou uma cartilha que traga reflexões a partir dos temas discutidos em aula, e tem como objetivo fazer com que os alunos compreendam a relação entre direito e justiça, bem como suas formas de manifestação, analisem como ocorreram os avanços na conquista de direitos e julguem casos de corrupção, a partir da articulação entre os princípios da administração pública e o “jeitinho brasileiro”.
As três disciplinas partem de metodologias ativas e culminam em projetos práticos, de acordo com Kamila Silva, coordenadora do “Escola da Cidadania Ativa”, uma das vantagens do projeto “O estudante também vem focado no produto final. Então temos a proposta de construir um documentário, um podcast…. o aluno se deixa guiar por essa vontade.”
Para além do “Escola da Cidadania Ativa”, em 2020, o Politize! implementou a disciplina eletiva “Hackers da cidadania” como módulo piloto em uma escola do Estado de São Paulo. Neste projeto, o plano de aula fomentava o engajamento do aluno em mecanismos de participação por meio da identificação de um problema coletivo – para em seguida levá-lo a buscar propostas de solução e mobilizar a comunidade em torno de ações concretas junto ao poder público.
Exemplos em sala de aula
Para o professor Raimundo Barradas, secretário-executivo adjunto Pedagógico da Secretaria de Estado de Educação e Desporto do Amazonas, hoje a principal dificuldade ao trabalhar educação cidadã nas escolas é a compreensão de tratar cidadania como exercício natural não partidário. Neste sentido, o”Escola da Cidadania Ativa” amplia conceito e exercício de cidadania como direito e dever presente em toda sociedade, possibilitando diálogo e experiências de forma crítica e reflexiva para garantir atitudes de boa convivência no contexto social”, diz.
Ao implementar o programa nas escolas, duas ações formativas são importantes. A primeira está sendo planejada em colaboração com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e trata de cidadania global e local. Com duração de 40 horas, deve ser disponibilizado no segundo semestre de 2021. A segunda forma é pontual. Para cada disciplina eletiva, o Politize! entrega para o professor um plano de aulas detalhado, que explica as metodologias envolvidas no processo, passa pela temática e informa caminhos para conversar com os alunos em sala de aula.
De acordo com a coordenadora do projeto, ao tratar o tema, é importante que o professor abra um espaço de escuta. “Ao invés de dizer que o aluno está errado, o professor pode rebater a pergunta e gerar uma reflexão, abrindo espaço para o diálogo.”
Roraima é o primeiro estado a formalizar a adoção do projeto, que conta ainda com outras 17 Secretarias Estaduais de Educação em fase de concretização da parceria para levar os conteúdos aos seus professores e alunos – com o potencial de alcançar cerca de 3 milhões de alunos.
Os alunos
Da criação do design curricular à produção de todo o material pedagógico, o itinerário foi concebido tendo em mente a formação de jovens cidadãos conscientes e politicamente ativos. Kamila reitera ainda que trazer a temática para a sala de aula tem como objetivo “formar jovens que se interessem ou tenham uma maior participação política, saibam dialogar, conheçam o sistema eleitoral, o funcionamento dos três poderes, tenham disposição para se informar sobre a veracidade de fatos e, principalmente, criem consciência para a apropriação dos seus direitos e deveres”.
Para dar conta desse trabalho, o Politize! também se transformou. Atualmente a plataforma trabalha para se tornar um núcleo de produção de conhecimento com conteúdos no YouTube, Instagram, LinkedIn e Spotify, com o podcast “Educação Politica”. Com cerca de 57 milhões de acessos ao longo dos anos, não foi apenas o conteúdo que cresceu. Hoje o Politize! tem uma equipe de 21 colaboradores e uma rede de voluntários responsáveis pelas matérias.
Fonte: Portal Porvir - Beatriz Cavallin