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Por que o ChatGPT pressiona escolas a revisitar seus currículos?

Descubra como a inovação tecnológica, representada pelo ChatGPT, está desafiando as escolas a rever planejamentos, e como isso pode impactar a forma como os alunos aprendem

O objetivo deste artigo não é a definição de um caminho, mas a indicação de direções conforme diferentes realidades e intenção de transformação. Apesar da inovação tecnológica, pode-se recorrer a duas referências consagradas e amplamente utilizadas antes do ChatGPT: Planejamento para Compreensão e Taxonomia de Bloom. Vamos a elas.

O surgimento do ChatGPT (e similares) desafia as escolas a revisitar seus currículos e especificamente seus planejamentos, ao transformar o acesso ao conhecimento, tanto pelo formato, disponibilidade e velocidade, quanto pela possibilidade de se resolver problemas e gerar conhecimento.

Revendo o planejamento com o ChatGPT

A nova realidade reforça o valor de se praticar o Planejamento para Compreensão (também título do livro “Understanding by design”, de Grant Wiggins e Jay McTighe, traduzido para o português). A realidade pede uma revisão criteriosa do planejamento adotando o “planejamento reverso”, citado no livro, que deve considerar três estágios:

1) identificar os resultados desejados;

2) determinar evidências aceitáveis;

3) planejar experiências de aprendizagem e ensino.

O ChatGPT pode alterar alguns dos resultados desejados em planejamentos anteriores, à medida que se torna uma fonte adicional de consulta e acesso ao conhecimento que já traz respostas mais complexas e elaboradas (nem sempre corretas, vale lembrar). Para exemplificar este ponto e rever o planejamento, é essencial lembrar da Taxonomia de Bloom.

Olhar inicial para objetivos de aprendizagem

De maneira simplificada, a Taxonomia de Bloom é um sistema que classifica os objetivos de desenvolvimento cognitivo de um nível mais básico até o mais complexo. Os objetivos de aprendizagem são categorizados e exemplificados por verbos na seguinte ordem: lembrar, entender, aplicar, analisar, sintetizar, criar.

É evidente que um objetivo de aprendizagem que começa com o verbo “lembrar” está focado na habilidade do estudante para memória e resgate de algum tópico e, no outro extremo da hierarquia, ao se ter a expectativa que o aluno seja capaz de “criar” algo, espera-se que tenha previamente acessado pelos níveis anteriores para que possa ter aprendido de fato e aplicado o conhecimento na prática.

Ao se ter a possibilidade de uso do ChatGPT, cabe questionar a relevância e a abordagem dos objetivos de aprendizagem previamente pensados. Como exemplo, considerando-se que a memorização de fatos e dados são expectativas de aprendizagem que servem de pré-requisitos para aprendizagens mais complexas, vale refletir quais objetivos de aprendizagem deseja-se priorizar e como incorporá-los nas aulas.

Questões típicas para professores e gestores refletirem sobre esta etapa podem incluir:

  • O que é importante aprender?
  • O que espero que o estudante seja capaz de fazer de maneira diferente, ao final dessa aula ou unidade?
  • Como incorporar os benefícios e mitigar os riscos do uso do ChatGPT dentro e fora da escola?
  • Caso o  ChatGPT venha a ser adotado em aulas, como é esperado que o estudante o utilize?

O desafio das avaliações

Com clareza a respeito dos objetivos, talvez a área que mais exigirá uma atenção coletiva com professores e gestores é a criação de novos instrumentos de avaliação, com uma ressignificação das evidências de aprendizagem. Uma ótima forma de se pensar o ChatGPT é considerá-lo como aquele colega que sempre estará disponível para consulta imediata, com muita informação sobre tudo, mas com respostas muitas vezes erradas.

As avaliações podem desde restringir pontualmente o uso do ChatGPT (sendo feitas sem acesso online, de forma oral ou manuscrita) e até exigir que seja consultado, para que o estudante avalie, critique e/ou melhore a resposta encontrada.

Ao se repensar e criar coletivamente maneiras de obter evidências de aprendizagem com o ChatGPT, deve-se considerar que se trata de uma nova ferramenta e, conforme a competência geral 5 da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), aprendizagem a respeito do uso crítico, significativo, reflexivo e ético do programa deve ser parte das atividades de aprendizagem.

Ao se rever as avaliações, é importante refletir sobre alguns pontos:

  • Como se espera que os estudantes demonstrem que aprenderam?
  • Quais tipos de avaliação podem ser usados sem o ChatGPT?
  • Quais evidências de uso adequado do ChatGPT podem ser observadas?
  • Como, ao usar o ChatGPT nas avaliações, é possível elaborar avaliações que explicitem o desenvolvimento em níveis mais elaborados da Taxonomia de Bloom?

Experiências de aprendizagem

Considerando que o ChatGPT faz parte do contexto do estudante e da escola, é prioritário planejar atividades para que os alunos tenham a oportunidade de se desenvolver no uso do programa.

Apesar da facilidade de uso, existe a necessidade de explicar as questões éticas envolvidas, as limitações do programa, e em qual nível vão se dar restrições à utilização, bem como definir competências específicas a desenvolver para que sejam feitas perguntas, ou comandos, focados na resposta que se deseja: a qualidade do comando direciona a qualidade da resposta.

É possível definir não somente o formato desejado da resposta, quanto uma persona (no marketing, o termo designa um personagem fictício) e um contexto. O formato pode ser um texto dissertativo com um número certo de parágrafos, uma estrutura de tópicos, uma avaliação com perguntas de múltipla escolha, um contrato, um poema, dentre outras possibilidades. Pode-se imaginar como exemplo um comando para escrever um texto sobre “5 coisas mais interessantes para se fazer na cidade”, com um tópico para cada atração e com explicação.

Em outra situação é também possível especificar características do autor do texto ou para quem o texto será escrito. Exemplo: pedir para que a redação seja escrita como se fosse um garoto de 14 anos com dificuldades na escola, ou requisitar para que o texto simule o estilo de um jornalista que visitará a cidade. Quanto ao contexto, é possível citar uma cidade (Rio de Janeiro, por exemplo), uma situação (logo após uma enchente causada pela ressaca do mar).

Essencialmente, partindo-se das avaliações definidas, nesta fase é importante refletir sobre:

  • Quais atividades são necessárias para propiciar repertório, reflexão e prática de modo que os estudantes se desenvolvam?
  • Como incorporar o ChatGPT nestas atividades?

Esses três estágios do planejamento reverso, considerando a inclusão do ChatGPT, são orientações iniciais para um questionamento maior relativo à como a escola dá conta de lidar com os desafios cotidianos e incorpora inovações pedagógicas e o novo contexto de sociedade em sua prática.

A escola é muito mais que a IA

Além de se desenvolver competências para o uso do ChatGPT, é crítico que a escola não priorize sua adoção (e de similares) como a grande transformação da escola. O desafio envolve estar continuamente aprendendo para poder propiciar aprendizagem significativa no contexto de um mundo que está mudando cada vez mais rápido.

A IA (Inteligência Artificial) tem valor principalmente no desenvolvimento do domínio cognitivo, mas não se pode esquecer que a aprendizagem é uma atividade relacional, mediada por professores e extremamente dependente ao desenvolvimento socioemocional dos estudantes: nenhuma IA será efetiva com estudantes e professores que apresentam problemas de saúde mental e que não sejam respeitados como seres humanos.

Mais importante do que levar a IA à educação é conhecer a escola, sua comunidade, seus gestores, professores e estudantes. Cada escola, cada professor e cada estudante tem particularidades que o ChatGPT não considera ao responder. Professores conscientes de suas subjetividades e da diversidade de personalidades dos seus estudantes praticam uma mediação docente diferenciada que a IA não é capaz de replicar.

Por fim, relembrando o ditado “para quem só tem um martelo, qualquer parafuso vira um prego”: a escola não deve forçar adoção de funcionalidades de IA porque elas estão disponíveis e estão “na moda”. Em lugar disso, deve adotar gradativamente as novas funcionalidades de IA de maneira que faça sentido incorporá-las no currículo e na gestão, integradas ao projeto político pedagógico e respondendo às demandas da comunidade escolar.

George R. Stein - Diretor da Geostein Engenharia de Aprendizagem. Professor e consultor em Mediação Docente Diferenciada / Aprendizagem para todos, Inovação para Aprendizagem, Inovação Social e Gestão. Autor, palestrante e mentor Internacional, associado na Reos Partners e Conselheiro na Labor Educacional. Doutor em educação: Currículo (PUC-SP), Engenheiro de Produção (Escola Politécnica), Especialista em Diferenciação de Ensino (Harvard Graduate School of Education), Gestão de Mudança e Inovação Social (MIT – Presencing Institute)

Fonte: Portal Porvir - George R. Stein

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