Por que considerar o trauma em uma abordagem integral da educação
Processo de melhoria do clima escolar precisa levar em consideração o trauma e realizar práticas conscientes voltadas para esse tema
O período de distanciamento social, que levou educadores e estudantes a se afastarem fisicamente das escolas, foi também traumático. Desde aquele momento, ampliou-se o debate a respeito da saúde mental e da importância de um olhar atento aos aspectos socioemocionais, tanto dos estudantes quanto do corpo docente e demais profissionais que atuam no ambiente escolar.
Além dos eventos traumáticos considerados universais, as escolas também acolhem indivíduos que vivenciaram traumas específicos em suas vidas, podendo impactar diretamente em seu desempenho escolar.
Nesse contexto, é essencial adotar abordagens sensíveis e estratégias educacionais que promovam um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento integral dos alunos. Ao colocar essas estratégias em sua agenda, a gestão tem a oportunidade de contribuir significativamente para a construção de uma cultura escolar saudável e resiliente.
O que é ser sensível ao trauma?
Um conceito criado na década de 1990 vai ao encontro dessa temática. A abordagem das Escolas Sensíveis ao Trauma entende que experiências traumáticas vividas pelos estudantes têm impacto direto no desempenho acadêmico, gerenciamento de emoções e até mesmo no desenvolvimento de relacionamentos positivos.
Um levantamento recente, feito pela consultoria educacional Vozes da Educação, reuniu exemplos de cinco escolas internacionais que colocam no centro de suas operações o olhar cuidadoso sobre o trauma.
Carolina Campos, presidente-executiva da instituição, aponta que durante uma análise sobre recomposição da aprendizagem, pesquisadores chegaram à conclusão de que havia um assunto anterior que deveria ser tratado nas escolas: saúde mental. Ela destaca que no Brasil esse era um tema que ainda estava muito aquém do esperado.
“Saúde mental não endereçada gera violência na escola. Quando se estuda questões de violência em outros territórios, é muito evidente que isso é cometido por alunos que estão magoados e feridos com aquela comunidade escolar, não necessariamente com a escola, mas muitas vezes a comunidade.”, diz Carolina.
Ela aponta que essa é uma dimensão que não deve ser ignorada, pois tanto professores quanto estudantes carregam bagagens emocionais distintas, com traumas específicos que podem influenciar o ambiente escolar.
Como a escola pode se preparar?
Existem diferentes gradações para a implementação dessa abordagem nas escolas, as quais dependem, principalmente, de uma mudança cultural. No levantamento, destacam-se exemplos que demandaram até cinco anos para serem plenamente efetivados.
O modelo utilizado pelo estado de Missouri, nos Estados Unidos, leva em consideração estágios distintos relacionados ao trauma, os quais definem o comprometimento de uma escola com essa temática.
O primeiro deles é a conscientização a respeito do tema, que pode ser feita por meio de formação de toda a comunidade escolar. A segunda etapa, que se caracteriza por uma escola sensível ao trauma, envolve a criação de uma equipe que fica encarregada de analisar as práticas e políticas existentes, traçar planos de ação e também pela implementação de mudanças necessárias.
Existe uma progressão mais aprofundada, onde as escolas se tornam mais responsivas ao trauma. Isso implica no desenvolvimento de ações concretas nessa área. E, por fim, uma escola informada sobre o trauma é aquela que incorporou na sua prática todos os elementos anteriores e centraliza suas ações em compreender e tornar a escola um espaço seguro, inclusive do ponto de vista emocional, para todas as pessoas.
“A escola sensível ao trauma é aquela escola que coloca o acolhimento de alunos e educadores no centro do processo educativo”, aponta Carolina.
Ela afirma que a escola do futuro é, sobretudo, humanizada. No entanto, mesmo atualmente, é uma tarefa de toda a equipe gestora levar em consideração as emoções tanto no currículo quanto na condução das atividades no ambiente escolar.
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Ela lembra o temor existente em volta da presença da inteligência artificial na sala de aula como sendo a ferramenta que supostamente irá substituir as pessoas. “Pelo contrário, a IA vai exigir cada vez mais que a gente esteja profundamente humanos”, diz.
Políticas públicas bem-sucedidas
Uma característica das abordagens bem-sucedidas nessa prática é a presença de políticas públicas. Carolina cita como exemplo o condado de Wisconsin, nos Estados Unidos, que atua com políticas informadas sobre o trauma desde 2008.
Tais políticas oferecem orientações, sugestões e maneiras de implementar uma cultura que está atenta aos traumas enfrentados pelas pessoas. No contexto escolar, essa abordagem visa conscientizar cada instituição sobre o impacto direto das experiências traumáticas dos estudantes em suas vidas acadêmicas.
Carolina aponta que essa sensibilidade é fundamental para evitar casos de violência extrema. “A gente violenta os nossos educadores e os nossos alunos todos os dias, porém só aparece no jornal na hora que essa violência se torna física. A violência psicológica acontece todos os dias nas escolas desse país, mas não está nos jornais”, ressalta.
O levantamento da consultoria educacional Vozes da Educação apresenta experiências de escolas nos Estados Unidos, País de Gales e Austrália, e conta com indicações de ações com públicos específicos e também previsão de tempo necessário para a implementação da abordagem.
O documento “Práticas Escolares Sensíveis ao Trauma” está disponível no site do Movimento Aprendizagem Segura.
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira