O que faz uma gestão inovadora diante de mudanças no ensino médio?
Educadores apontam protagonismo estudantil, formação docente e pertencimento comunitário como estratégias essenciais para promover inovação na escola
“Hoje, independentemente da modalidade de ensino, a gestão escolar precisa de abordagens diversas, pois as demandas sociais da escola pedem por um deslocamento de práticas mais tradicionais de gestão.” A fala de Eduardo Andrade, diretor da EREFEM (Escola de Referência em Ensino Médio e Ensino Fundamental e Médio) Monte Verde, localizada no Recife (PE), vai ao encontro de um dos principais achados da tese de doutorado de Alcielle dos Santos, diretora de educação do Instituto iungo. Ela comprovou, ao observar escolas em São Paulo, que os movimentos de inovação passam necessariamente pelos gestores.
E quando o assunto é inovação na gestão do ensino médio, novas posturas e encaminhamentos são ainda mais necessários, não apenas pelas recentes mudanças curriculares, mas também pelas particularidades dessa etapa de ensino. “O ensino médio já lida com o desafio de ser o último segmento estruturado da educação básica – pública e obrigatória, e, portanto, direito de todos. Esse contexto deve ser um norte para que o gestor busque por práticas inovadoras, porque o mundo não para de mudar”, afirma Alcielle.
A especialista usa o exemplo da cultura digital para defender que todas as escolas precisam ter uma dinâmica próxima da dinâmica do mundo, sempre em transformação. “Se a escola adotar como valor a permanência, e não a constante mudança, ela passa a agir em uma outra lógica de existência diferente daquela do mundo. Portanto, se todas as tarefas da existência humana são atravessadas pelo digital, seja no trabalho, na comunicação, no acesso aos bancos ou na transmissão de a filmes via streaming, imagina se as escolas desconsiderem isso?”, reflete, enfatizando a importância dessa proximidade.
A gestão da Escola Monte Verde percebeu que tecnologias da informação poderiam ser usadas enquanto recursos de aprimoramento da formação de docentes e discentes. Com isso, aprimorou sua compreensão de aspectos como o perfil das turmas, o nível de complexidade da gestão e o esforço dos docentes da escola.
Primeiros passos para inovação no ensino médio
Depois de estudar o perfil dos gestores de escolas consideradas inovadoras, Alcielle aponta que o primeiro passo para uma escola que deseja promover inovações educativas no ensino médio é identificar a controvérsia – termo advindo da Teoria das Redes – que será trabalhada.
Se a controvérsia escolhida envolve, por exemplo, a cultura digital, é importante que a gestão crie espaços-tempo para que os estudantes e educadores possam compreender o tema enquanto um pilar de estudo e debatê-lo. É válido ressaltar, entretanto, que a inovação não se restringe ao mundo digital e tecnológico e pode estar relacionada a desafios e questões do cotidiano.
Outro exemplo de controvérsia, desta vez do tipo não tecnológico, é a melhoria das notas de redação no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Não vai ser necessariamente dando mais aula de produção de texto que vamos melhorar a escrita. Muitas vezes, investir em espaços de debate das questões da atualidade ou dos argumentos das provas de produção de texto é mais eficaz. Pode ser que contratar uma ferramenta tecnológica seja um mote de se trabalhar mais e melhor a correção desses textos. No entanto, pode ser que o problema esteja na motivação do estudante em escrever. Portanto, é necessário investir em momentos de escrita criativa”, aponta Alcielle.
E reforça: “Por isso, quando falamos em inovação, é muito importante olhar para as questões que a escola tem e ouvir as pessoas, para dar foco na ação desse gestor, para que inove em pontos realmente modificadores.”
Participação como elo fundamental
No trabalho junto à comunidade da Escola Monte Verde, Eduardo aponta que o diferencial tem sido a compreensão de que a instituição não pode ser “uma ilha distante das demandas da sociedade”. Assim, consegue o apoio de que precisa para promover inovações educativas. “A escola precisa estar em contato com a realidade dos alunos e promover uma educação significativa e participativa. Sem sombra de dúvida, a escuta ativa dos alunos e da comunidade é o primeiro passo para criar inovações no ensino médio.”
Localizada em uma região da capital pernambucana com altos índices de desigualdade social e desafios diversos, a Escola Monte Verde deu início à implementação das diretrizes previstas na reforma do ensino médio com a escolha das trilhas de aprofundamento (itinerários formativos, que agora o Ministério da Educação chama de percursos de aprofundamento e integração de estudos), analisando o perfil da comunidade e apontando as principais demandas sociais da região, de forma que a grade curricular estivesse de acordo com as necessidades dos alunos e da comunidade em geral.
Para isso, os estudantes das turmas do 9º ano do ensino fundamental responderam a um formulário, enviado via WhatsApp. Com as trilhas escolhidas, a gestão escolar promoveu formações tanto com o corpo docente como oficinas formativas destinadas aos estudantes, nas quais os alunos, divididos em grupos, tiveram acesso à matriz curricular e às expectativas de aprendizado de cada trilha.
A gestão também ficou responsável por sistematizar e enviar às famílias e responsáveis um material para compartilhar a escolha dos estudantes, juntamente com uma enquete para esclarecer possíveis dúvidas.
Para o diretor, se durante muito tempo as escolas e suas respectivas gerências educacionais eram responsáveis por pensar no currículo, nos eixos de ensino e na forma de avaliação, agora as expectativas são outras e a gestão escolar precisa estar pronta para desenvolver um processo de escuta contínua dos estudantes. De um lado, os alunos conquistaram mais espaço para compartilhar escolhas individuais e coletivas sobre o seu projeto de vida. Do outro, a gestão precisou inovar seu direcionamento, com a escuta ativa dos jovens e um maior entendimento do papel da escola na sociedade em que está inserida.
Ao longo desse trabalho, Alcielle reforça que adaptações podem ser feitas. Isso inclui criar instâncias permanentes de escuta qualificada, em espaços e momentos formais e informais. Entre os exemplos, podem ser promovidas desde as tradicionais assembleias, passando por conversas nos corredores, e até mesmo prestando atenção aos debates e conversas dos estudantes em sala de aula.
Participação da comunidade
A criação de instâncias para a participação comunitária também representa uma inovação no âmbito da gestão do ensino médio, como é o caso do Colégio Elvira Brandão, uma escola privada em São Paulo (SP), que também foi uma das instituições pesquisadas por Alcielle. Além de uma maior articulação com os próprios estudantes, a escola também instituiu um processo de gestão democrática envolvendo as famílias, com projetos de formação dentro da escola.
O caminho de uma maior participação dos pais, mães e responsáveis também foi escolhido pelo CETI (Centro Estadual de Tempo Integral) Augustinho Brandão, a única escola de ensino médio em Cocal dos Alves (PI). Como diretor da instituição, Darkson Vieira reforça que direcionar ao papel de protagonista as pessoas que realmente ‘fazem’ a escola – isto é, estudantes, educadores, famílias e a comunidade em geral – incentiva a própria instituição a refletir sobre seu papel na sociedade.
“Quando você faz com que a comunidade ao redor da escola compreenda que a instituição é um meio de transformação social positiva, essa é a maior inovação, porque precisamos que as pessoas entendam a educação como um meio capaz de promover a transformação do lugar em que vivem.”
Esse movimento de trazer a comunidade de um município pequeno e de alta vulnerabilidade social para dentro da escola só foi possível quando a gestão começou a investir na ideia de pertencimento, ou seja, mostrar que todas as pessoas pertencem à escola e que esta, por sua vez, pertence à comunidade.
Formação para a inovação
Para que todos esses processos sejam possíveis, é imprescindível que os educadores estejam alinhados e comprometidos com a inovação. Assim, torna-se igualmente importante que as formações continuadas sejam pautadas e estejam alinhadas com as inovações em estrutura, currículo, metodologia e interseccionalidades, ou seja, a conexão da escola com a comunidade escolar e demais redes, como a rede municipal de ensino, por exemplo, no caso de uma escola pública municipal.
No plano estratégico da formação continuada, é necessário observar algumas questões, como explica Alcielle. Uma delas é a garantia de um espaço-tempo de formação, detalhando os pontos prioritários a serem debatidos para cada momento do ano letivo. Isso implica considerar todas as dimensões da escola, que vão desde a aprendizagem dos estudantes até o próprio repertório do professor e suas necessidades enquanto profissional, como espaços de troca de boas práticas, momentos de escuta qualificada entre pares, entre outras.
“Tudo o que se fala sobre inovação educativa na escola precisa ter coerência e correspondência com a inovação educativa na formação continuada. E quem une esses dois polos de inovação educativa é o gestor escolar. Se estou inovando em relação a momentos de escrita criativa para aumentar o engajamento na escrita dos estudantes, preciso ter processos de escrita e autoria com os professores para que eles sejam mediadores e facilitadores disso, por exemplo.”
Planejamento ideal para cada contexto
Mais do que simplesmente fazer o que todo mundo faz ou seguir receitas prontas, inovar na educação não significa mudar tudo, mas sim identificar o que cada escola, com suas especificidades, precisa em cada momento. Diante da possibilidade de inovações sustentadas, que não mudam o que é estruturante, e inovações disruptivas, que rompem com a estruturação tradicional de uma escola, cabe à gestão avaliar qual processo renderá os melhores resultados e quais são os métodos para chegar aos resultados esperados. Por isso, Alcielle defende que toda e qualquer inovação demande um estudo de cenário.
Fonte: Portal Porvir - Maria Victória Oliveira