O que está no caminho da escola que busca a integração curricular?
Uma cultura de inovação e integração curricular depende cada vez mais do diálogo com educadores e da participação de estudantes em diferentes etapas do planejamento, segundo especialistas
Para que uma escola consiga implementar uma cultura de inovação capaz de proporcionar uma aprendizagem significativa para seus alunos, é necessário mais do que uma gestão participativa. A voz dos estudantes precisa ser ouvida para além da sala de aula e estar presente nos momentos de planejamento. Ao currículo, cabe a tarefa de criar as bases para uma trama diversificada e inclusiva de conhecimento. Tudo isso se torna possível quando a direção confia em seus educadores e estes, em seus estudantes.
Encontrar caminhos para uma abordagem mais integradora e apoiada em diálogo foi um dos tópicos da conversa do Porvir com Kurt Wootton e Marimar Vazquez, cofundadores do Habla, um centro cultural e de formação de educadores que também se dedica ao ensino da língua espanhola em Mérida, no México. Entre outras recomendações, Kurt e Marimar reforçam que, apesar da pressão por currículos e exames, sempre é possível ir além do tradicional.
Em outubro, eles participam da 3ª edição da Conferência NSTI (New School of Thought Institute) da Avenues The World School, em São Paulo (SP). Voltado a educadores da educação infantil ao ensino médio, a programação oferece formação para práticas centradas nos estudantes e projetos conectados ao mundo real. As inscrições estão abertas e podem ser realizadas neste link.
Após enviar seis professores brasileiros para um programa com o Habla, foi um passo natural trazer integrantes da equipe para o encontro, diz Tim McNamara, diretor de ensino fundamental 2 e médio da Avenues São Paulo e ex-diretor da High Tech High Chula Vista, em San Diego, nos Estados Unidos.
Após a imersão, os participantes relataram ganhar uma compreensão mais profunda de si como indivíduos e educadores. “Eles voltam com uma compreensão diferente das relações entre o corpo, a mente e os textos que estão ensinando. E, de forma muito importante, trazem estratégias práticas para adotar com seus alunos, estando sempre ansiosos para compartilhá-las com colegas”, explica Tim. Na Conferência NSTI, a equipe do Habla vai abordar a importância da integração entre linguagem, alfabetização e artes.
Confira, abaixo, os destaques da conversa com os representantes do Habla:
Como adotar a integração curricular na sua escola
Muitos professores já perceberam que aulas expositivas não são suficientes para atrair a atenção dos alunos e buscam maneiras de integrar conteúdos para desenvolver aulas mais contextualizadas. Mas como dar conta desta tarefa?
Segundo Kurt, é possível se inspirar no físico Albert Einstein e adotar a estratégia do “jogo combinatório”. Uma breve recapitulação: Einstein frequentou uma Escola Pestalozzi na Áustria, onde teve contato com o método de ensino que enfatizava a visualização. “Este método deixou uma marca indelével nele, influenciando suas teorias revolucionárias como a relatividade”, diz Kurt. “O termo ‘aprendizado interdisciplinar’ é frequentemente ouvido, uma abordagem tradicional à educação progressista. A ideia de jogo combinatório envolve unir coisas novas com coisas antigas para criar algo. Significa combinar idiomas, culturas e cruzar fronteiras de várias maneiras diferentes.”
Marimar considera que a proposta do jogo combinatório amplia essa visão, por permitir mais interseções e conexões, promovendo uma relação simbiótica entre artes e linguagem. No entanto, o desafio está em romper as zonas de conforto dos educadores. Ela observa que profissionais de educação recorrem aos métodos mais tradicionais de ensino não por resistência à inovação, mas por falta de orientação.
E o mais importante é não deixar a própria identidade de lado. “Visualizar ou imaginar já é um passo para nós, professores, criarmos um espaço onde isso se torne realidade. Isso se aplica a idiomas. Precisamos visualizar essa interação. Mais do que abandonar a organização por disciplinas, Marimar destaca a necessidade de valorizar elementos como colaboração, visualização e imaginação. No fim das contas, a proposta é construir um conhecimento diverso e inclusivo.
Por que envolver educadores no debate sobre integração curricular
Como cada escola tem alunos de contextos específicos e professores formados de maneiras diversas e em diferentes estágios de carreira, navegar em direção a uma proposta integradora é uma tarefa e tanto para quem desempenha um papel de gestão.
Para Kurt, o êxito de estratégias que busquem levar novas práticas e processos às escolas está ligado à questão do controle. As instituições de ensino, descreve, são movidas pela necessidade de controlar resultados, seja em termos de comportamento dos alunos, notas de provas ou até mesmo nas metodologias dos professores. No entanto, o representante do Habla defende que a chave para transformar a cultura escolar está na construção de laços de confiança.
“Quando estou ensinando um grupo de alunos, quero confiar que, se eu lhes der um projeto criativo, eles têm a total capacidade de criar algo interessante. Se tiverem autonomia, vão conseguir criar algo. Acredito que funciona da mesma forma no nível administrativo. Ao confiar nos meus professores e estabelecer um conjunto claro de princípios ou visão para a escola, os professores podem abrir espaços onde os alunos podem criar.”
Essa abertura, no entanto, deve ser acompanhada de responsabilidade. Kurt argumenta que tal etapa não deve se resumir a uma prova. “Não se trata de desempenho em uma prova, mas sim em exposições públicas de trabalhos. Ao final de cada semestre, estudantes e professores organizam uma exposição pública para apresentar o que aprenderam. Nessas ocasiões, a qualidade do trabalho demonstra a responsabilidade em nossa escola.”
O que fazer com o currículo tradicional
Mas até que ponto um professor consegue dar conta de adaptar suas aulas diante de um currículo tão tradicional e amarrado? Marimar ressalta que professores têm à disposição um poder pouco explorado: a colaboração com colegas que estão na sala ao lado ou que entrarão pela mesma porta em 50 minutos.
“Quando educadores de diferentes disciplinas se unem, eles podem encontrar interseções em seus assuntos, levando a projetos mais integrados. Por exemplo, um projeto de escrita sobre histórias pessoais pode abranger elementos de história, arte e ciência”, explica. Na realidade mexicana, ela reconhece que o currículo nacional deixa um espaço limitado para desvios. “No entanto, ao trabalhar juntos, os professores ainda podem encontrar maneiras de injetar criatividade e relevância em suas aulas, garantindo que os alunos recebam uma educação que vai além da aprendizagem mecânica.”
Se o currículo é denso, por que não pensar em expandi-lo? Kurt aposta na estratégia de “conformidade radical” como solução. Em lugar de descartar por completo as sugestões dos livros escolares, é possível realizar adaptações que, no final, podem fazer a diferença. Por exemplo, se o currículo exige que os alunos escrevam parágrafos concisos e expressem suas ideias com clareza, por que não direcionar as aulas para um projeto mais envolvente e significativo, como escrever biografias pessoais?
“O estudante vai igualmente aprender a escrever um parágrafo, mas fará isso por meio de algo muito, muito maior. O que gostamos de fazer é pegar a ideia apresentada no currículo e moldá-la, transformando-a e expandindo-a em algo mais bonito”, afirma.
Por que encontrar a voz do estudante importa
A integração de conhecimentos, a colaboração entre professores e a expansão do currículo só são beneficiadas quando a voz do estudante é incorporada ao processo educacional. Kurt reconhece que, para alcançar esse ponto, as dinâmicas de comunicação nas escolas precisam mudar. E tudo começa com uma pergunta simples: “Quem está falando mais?”. Se o professor domina a conversa, afirma o educador, isso sufoca a voz e a criatividade do aluno.
As salas de aula devem fomentar debates horizontais entre os próprios estudantes. “Eu considero que isso é o mais importante. Você pode ter escolas que acham que são progressistas, mas os professores ainda estão na frente da sala, falando o tempo todo”. Por isso, recomenda que tanto gestores como os próprios professores se esforcem em criar espaços de aprendizagem onde os alunos possam se expressar, seja por meio da arte, teatro, escrita ou poesia.
Marimar diz que, para dar conta dessa missão, a comunidade escolar precisa identificar o que torna aquela escola única. A partir daí, o esforço deve ser direcionado para encontrar pequenos espaços nos quais as vozes dos alunos e professores possam se manifestar e ser ouvidas de forma acolhedora. Assim como no jogo combinatório de Einstein, a ideia é começar da maneira mais simples e acessível, em rodas de conversa pela manhã, reuniões de planejamento, ou mesmo debates sobre os temas que estão sendo estudados.
Pouco a pouco, esses momentos podem crescer e propiciar um ambiente no qual todos se sintam incluídos e participantes. Ao início de cada unidade curricular, Marimar também menciona o valor de usar os interesses que os alunos já têm. “Que conhecimento prévio eles possuem? Que perguntas eles têm? Embora ainda estejamos buscando atingir objetivos específicos, precisamos estar cientes a respeito de qual base as crianças estão avançando. Isso poderia incluir até mesmo conhecimento cultural, talvez transmitido por seus avós, que influencia disciplinas como a ciência”, explica.
Respeitar a diversidade do estudante é importante, segundo Marimar, até mesmo para promover um debate coerente sobre o mundo tecnológico em que vivemos hoje. “Com toda essa tecnologia e inteligência artificial, torna-se ainda mais vital nos questionarmos: Quem somos nós como seres humanos e como aprendemos?”. É por isso que ela enfatiza a necessidade de conectar as palavras ao mundo, abrangendo nossas identidades, histórias, culturas, línguas e crenças.
***A conferência é conduzida por educadores da Avenues: The World School dos campi em São Paulo, Nova York (Estados Unidos), Shenzen (China) e no formato online. O evento foi desenhado para docentes de escolas públicas e particulares, gestores escolares, especialistas em mídia e tecnologia e pessoas interessadas em compreender melhor a aprendizagem centrada no aluno. Saiba mais
Fonte: Portal Porvir - Vinícius de Oliveira