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O impacto da escola na identificação e no apoio a alunos com TDAH

Em entrevista ao Porvir, a especialista em psicologia escolar Ronique G. Wilson reforça a importância da escola e das redes de apoio para o diagnóstico e a condução de crianças com TDAH

Desatenção, hiperatividade e impulsividade podem ocorrer esporadicamente com qualquer pessoa, especialmente em momentos de grande estresse ou cansaço. No entanto, quando esses comportamentos são persistentes, frequentes e desproporcionais à idade e ao estágio de desenvolvimento da pessoa, podem indicar o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). E a escola costuma ser o primeiro ambiente a perceber tais características.

Entender como apoiar os alunos com TDAH é essencial para criar um ambiente de sala de aula melhor e mais inclusivo”, sugere a doutora Ronique G. Wilson, psicóloga e especialista em psicologia escolar em Houston, Texas (EUA). Atualmente, ela é diretora de aprendizagem socioemocional e cultura escolar da Aldine Independent School District.

De acordo com a ABDA (Associação Brasileira do Déficit de Atenção), o TDAH afeta entre 5% e 8% da população mundial. Os sinais se manifestam na infância, normalmente a partir da idade escolar, quando as exigências de atenção e controle sobre o comportamento se tornam mais intensas. E podem perdurar perdurar por toda a vida, caso não sejam diagnosticadas e tratadas.

O distúrbio afeta de 3% a 5% das crianças em idade escolar e sua prevalência é maior entre os meninos. “Os meninos não têm pressão para se misturar, então exibem comportamentos mais externalizados, como hiperatividade e impulsividade, mais prontamente. A diferença em ver o que meninos e meninas experimentam com TDAH pode afetar a capacidade de identificar problemas, diagnosticar e intervir”, explica Ronique.

De acordo com a especialista, é muito comum que o ambiente escolar seja o primeiro a perceber características do TDAH. “Os educadores compartilham suas observações com os pais e são treinados em relação ao desenvolvimento infantil normal. Por isso, podem perceber quando o funcionamento de uma criança está fora do que é considerado ‘típico’”, diz.

Ronique foi uma das palestrantes do “Summit Virtual de TDAH”, evento online da Pearson, empresa multinacional de educação, com sede em Londres (Reino Unido). Transmitido no Brasil, o webinário contou com participantes de mais de 50 países.

Em entrevista ao Porvir, ela reforça o papel da escola e da rede de profissionais nos casos de diagnóstico do TDAH. Confira os principais trechos:

Porvir – Como o déficit de atenção é normalmente diagnosticado primeiro, pela família ou pelas escolas?

Ronique G. Wilson –
É muito comum que o ambiente escolar seja o primeiro a perceber características do TDAH. Os educadores compartilham suas observações com os pais e são treinados em relação ao desenvolvimento infantil normal. Por isso, podem perceber quando o funcionamento de uma criança está fora do que é considerado “típico”.

O ambiente escolar tende a ser mais estruturado do que o ambiente doméstico. Um aluno experimentará tarefas acadêmicas, cronogramas de instrução e uma sala de aula cheia de alunos. A criança que não parece se envolver no ambiente da mesma forma que seus colegas de classe se destaca e, muitas vezes, começa a ter problemas para aprender, interagir e funcionar no ambiente.

Porvir – Em casa, o que acontece?

Ronique G. Wilson –
Em casa, as crianças podem ter mais autonomia para brincar e se movimentar livremente. Os pais podem relatar não ter dificuldades com o comportamento ou funcionamento da criança e isso muitas vezes pode ser atribuído ao fato de que o ambiente doméstico pode ser um ambiente mais descontraído. Ou os pais podem expressar que notaram preocupações anteriormente no funcionamento do dia a dia, mas assumem que a diferença da criança pode ser devido à personalidade ou imaturidade. Portanto, as observações e contribuições dos pais e educadores são vitais para obter uma visão abrangente que apoie a identificação e a intervenção.

Porvir – Embora os pediatras possam fornecer diagnósticos iniciais de TDAH, você menciona que eles podem não ter profundidade de conhecimento para um diagnóstico diferencial abrangente. Que medidas concretas podem ser tomadas para garantir um diagnóstico preciso?

Ronique G. Wilson –
Após a avaliação inicial por um pediatra, os pais devem receber ou solicitar um encaminhamento para um especialista clínico em saúde mental, condições observadas na infância ou distúrbios do neurodesenvolvimento, como psicólogo infantil, psiquiatra, escola ou psicólogo. Esses profissionais são treinados para realizar avaliações abrangentes que incluem coleta de histórico de desenvolvimento, entrevistas com adultos que interagem com a criança, entrevistas com o aluno, observações do aluno e administração de testes padronizados.

Porvir – Por que é importante consultar estes especialistas?

Ronique G. Wilson –
Eles usam informações dessas fontes para diferenciar o que está sendo apresentado para determinar se é TDAH, estilo de aprendizagem, ansiedade, depressão, problemas sensoriais, trauma ou algum outro distúrbio do neurodesenvolvimento, como autismo. Outra consideração importante que esses especialistas podem oferecer é descartar possíveis condições de saúde física que possam apresentar sintomas semelhantes aos do TDAH. Fatores físicos como problemas de tireóide, distúrbios do sono ou problemas de audição e visão às vezes podem imitar os sintomas do TDAH.

Porvir – Qual o papel da psicologia escolar nesse cenário?

Ronique G. Wilson –
Os psicólogos escolares trazem conhecimento de diagnósticos e condições psicológicas, desenvolvimento infantil e princípios educacionais. Essa base de conhecimento especializada e conjunto de habilidades tornam sua experiência vital, porque a escola é um componente significativo da vida de uma criança. Por estarem incorporados nas escolas, os psicólogos escolares podem ter um conjunto mais abrangente de insights (ideias), incluindo dados escolares e tempo individual com a criança, para ajudar a informar a avaliação do TDAH de um aluno.

Porvir – Alunos com TDAH geralmente enfrentam desafios maiores durante os testes e avaliações. O que explica isso?

Ronique G. Wilson –
As dificuldades de funcionamento executivo associadas ao TDAH são o que tornam os testes e outras avaliações um desafio. Os testes geralmente têm estrutura e restrições que podem colocar os alunos com TDAH em desvantagem. Os alunos com TDAH podem ter velocidades de processamento cognitivo mais lentas, demorando mais para processar informações e concluir tarefas, dificultando a conclusão dos exames dentro dos limites de tempo. Eles também podem se sentir inquietos e precisar se mover quando estão sentados para um teste; um ambiente que pode causar distração para os outros.

Porvir – Sem contar o fator ansiedade…

Ronique G. Wilson –
Exatamente. Estudantes com TDAH podem ter dificuldade em se concentrar no conteúdo e nos itens. Ler itens para entender o que está sendo apresentado também pode ser um desafio. Para compensar, um aluno com TDAH pode apressar a leitura e responder às perguntas do teste impulsivamente, levando a erros.Muitas vezes, é apenas o pensamento de testes que podem produzir estresse e ansiedade e podem ser amplificados com o TDAH afetando o desempenho em avaliação. Muitos testes também têm restrições estruturais, como limites de tempo. Os desafios da memória de trabalho afetam a capacidade do aluno de reter e manipular informações temporariamente. Isso pode dificultar a lembrança de instruções, manter soluções de várias etapas em mente ou manter detalhes para perguntas complexas.

Porvir – Em sua apresentação, você destacou as diferenças na apresentação do TDAH entre meninos e meninas. O que explica essa diferenciação?

Ronique G. Wilson –
As diferenças em como meninas e meninos exibem sintomas de TDAH podem ser atribuídas a uma combinação de fatores biológicos, de desenvolvimento e sociais. Estudos de imagens cerebrais mostraram diferenças no desenvolvimento e atividade cerebral entre meninos e meninas com TDAH. O estrogênio em meninas pode reduzir comportamentos impulsivos e hiperativos, explicando por que os comportamentos desatentos são mais perceptíveis. Esse hormônio também está ligado ao humor e à regulação emocional, que está associada às meninas, em particular ao TDAH.

Quando pais e professores devem ficar atentos a uma suspeita de TDAH?

Em caso de suspeitas, Ronique G. Wilson recomenda que os adultos, tanto em casa quanto na escola, façam as seguintes perguntas:

– A criança está tendo dificuldade em seguir rotinas ou concluir tarefas?
– A criança é capaz de interagir bem com os colegas e fazer amizades?
– O comportamento da criança é perturbador para outras pessoas no ambiente?
– A criança é capaz de iniciar, manter o foco e concluir as tarefas acadêmicas?
– A criança é capaz de regular suas emoções de forma adequada para sua idade e estágio?

Se as respostas a essas perguntas forem preocupantes, é importante que os pais iniciem o processo de compilação de documentos e observações que possam ajudar um profissional médico ou de saúde mental a avaliar se a criança está ou não no espectro do TDAH. Para muitos pais, a primeira parada é o pediatra da criança, que pode realizar uma avaliação inicial e, em seguida, encaminhar a um especialista para uma avaliação mais aprofundada.

Porvir – Há uma questão de comportamento socialmente aceito, não?

Ronique G. Wilson –
Sim. Socialmente, as meninas são encorajadas a serem quietas, atentas e complacentes, então, as meninas com TDAH, aprenderam a mascarar seus sintomas ou desenvolver mecanismos de enfrentamento internalizados para se misturar, escondendo assim seu TDAH. Os meninos não têm pressão para se misturar, então exibem comportamentos mais externalizados, como hiperatividade e impulsividade, mais prontamente. A diferença em ver o que meninos e meninas experimentam com TDAH pode afetar a capacidade de identificar problemas, diagnosticar e intervir.

Porvir – Além da genética, existem fatores externos que podem influenciar o TDAH?

Ronique G. Wilson –
Como muitos outros transtornos, acredita-se que o TDAH resulte de uma combinação de fatores. Pesquisas indicam que aproximadamente 70-80% do TDAH pode ser explicado pela genética. Outros fatores biológicos podem incluir estrutura cerebral, desequilíbrio de neurotransmissores, desequilíbrios pré-natais, deficiências nutricionais e complicações no parto. Os fatores ambientais podem incluir ambiente familiar, trauma, toxinas ambientais e uso de tela. Descobriu-se que esses fatores influenciam o TDAH ou exacerbam os sintomas relacionados a ele.

Porvir – Você também apresentou um caso em que um aluno foi diagnosticado com um distúrbio emocional quando, na verdade, seus sintomas resultaram de trauma após um incêndio em uma casa. Por que o TDAH pode “imitar” outros transtornos e como o diagnóstico deve ser abordado?

Ronique G. Wilson –
O TDAH pode imitar ou se sobrepor a outros transtornos, isso porque é comum que outros distúrbios compartilham sintomas comuns. Por exemplo, a hiperatividade no TDAH pode parecer inquietação e inquietação com ansiedade, que pode parecer agitação psicomotora com depressão infantil ou hipervigilância com trauma. Envolver profissionais de saúde mental que podem realizar diagnósticos diferenciais é uma abordagem vital para descobrir qual é a causa raiz dos sintomas da criança. Eles elaborarão uma imagem histórica do desenvolvimento, saúde e histórico da criança e explorarão a sintomatologia para ver qual condição, se houver, explicaria os comportamentos.

Porvir – Há um debate em andamento sobre medicalização. Qual é a sua perspectiva sobre esse assunto?

Ronique G. Wilson –
Décadas de pesquisa confirmaram que um diagnóstico de TDAH é uma condição de neurodesenvolvimento baseada no cérebro que afeta o comportamento e o funcionamento, portanto, a medicalização é apropriada. Medicalizar o TDAH o legitima, reduzindo o estigma e enfatizando que as ações ou dificuldades de uma criança não são devidas à falta de disciplina ou “mau comportamento”, mas têm origem neurológica. Isso aumenta as opções de tratamento e garante melhores resultados a curto e longo prazo. Embora a medicalização do TDAH possa aumentar os diagnósticos excessivos e descontar fatores ambientais e outros, os benefícios da medicalização superam os riscos.

Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa DMaschio

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