Não é só fórmula: professora utiliza método que amplia a forma de ver e entender a matemática
Eu conheci o “Conversas Numéricas” em um dos webinários do Mentalidades Matemáticas, no qual a professora Maitê Salinas apresentou a atividade como uma forma de interagir e fazer com que os participantes vivenciassem uma matemática aberta, criativa e visual. Fiquei encantada com a prática e com a diversidade de maneiras que uma operação poderia ser pensada, e também entusiasmada em levar essa ideia para minhas turmas do 6° ano. E assim o fiz com meus alunos da escola particular e da pública.
Em setembro de 2020, eu havia iniciado aulas por videoconferência com os alunos da rede pública e comecei a adotar as abordagens baseadas em neurociência que estava aprendendo com os webinários e com as vivências que aconteciam nos encontros de células do Mentalidades Matemáticas. Logo no início, o coordenador sinalizou que eram alunos que estavam sem aulas de matemática desde julho e que estavam abaixo das habilidades esperadas para a turma. Achei pertinente começar o trabalho com eles usando Conversas Numéricas, um método que auxilia a trabalhar a flexibilidade da matemática. Apliquei uma atividade chamada Contando Pontos para trabalhar como podemos ver um mesmo problema de formas diferentes assim fazê-los enxergar a beleza da matemática encontrada nessa diversidade de caminhos.
A ideia era então ser criativo na maneira de ver a matemática. Propus que me mostrassem como resolver a adição de 20+19 e foram incríveis as soluções apresentadas. A maioria utilizou técnicas de matemática que não estavam associadas a um algoritmo. Todos ouviam uns aos outros e, um a um, foram ligando os áudios e dizendo como chegaram ao resultado. Fiquei ainda mais curiosa e fui pesquisar mais sobre esse tipo de atividade e como eu poderia explorá-la em sala de aula.
Na minha pesquisa, conheci o livro “Conversas Numéricas”, das educadoras Cathy Humphereys e Ruth Parker. Essa leitura mostrou o quanto as estratégias são potentes no ensino da matemática. Além de valorizar o que o aluno já sabe, também tem o poder de mostrar ao professor as ideias que eles já aprenderam e como eles fazem conexões para resolver problemas.
Com isso, eu percebi o quanto meus alunos utilizavam as propriedades das operações, mesmo sem conhecer os termos técnicos. A maioria deles acreditava não saber fazer matemática pelo simples fato de não fazer tão bem o algoritmo, ou fazer e não entender porque estavam fazendo. Nesse momento, notei que a minha abordagem mais do que nunca precisava explorar essas diversas possibilidades de se pensar um cálculo matemático e ouvir as ideias dos meus alunos.
E, afinal de contas, como é uma Conversa Numérica? A atividade consiste em propor um cálculo numérico no qual os alunos possam demonstrar diversas maneiras de se chegar ao resultado sem utilizar lápis e papel e o algoritmo tradicional, ou seja, pelo cálculo mental. É muito importante deixar um tempo para que todos possam pensar, porque o encanto da matemática é o pensamento profundo e não a velocidade. Para os alunos que já tem uma flexibilidade numérica e conseguem encontrar caminhos mais curtos, sempre proponho que eles pensem em outras possibilidades de resolução. Depois que todos tiveram tempo para pensar, eles compartilham suas estratégias e as explicam para os demais. Todas as ideias são compartilhadas e valorizadas, inclusive as que apresentam resultados diferentes, pois entendemos que os erros são momentos importantes para a construção das ideias matemáticas.
No início, os alunos sentiram dificuldade em lidar com a resposta diferente, pois estavam focados em chegar à resposta certa, mas compartilhei com eles a importância desses resultados e aos poucos foram se sentindo acolhidos e seguros para compartilhar seus erros.
Atualmente, proponho conversas numéricas em todas as aulas, os alunos adoram, e todos querem compartilhar suas ideias. Isso é fantástico. Uma sala de matemática barulhenta, trabalhando flexibilidade numérica como muitas possibilidades de ideias.
Meu maior desafio nessas atividades é que os meus alunos foram condicionados a pensar em operações matemáticas por meio do algoritmo tradicional. É quase uma herança que passa de pai para filho. Fazem operações no automático, sem nem saber o porquê funcionam. Na maioria das vezes que eu os questiono a resposta é: “Porque me ensinaram que faz assim”.
Isso explica por que os alunos, nas séries finais do ensino fundamental 2, têm tanta dificuldade em compreender a álgebra. Como as expressões algébricas estão fundamentadas nas propriedades da aritmética, o aluno que tem dificuldade na flexibilidade numérica porque tem absoluta certeza que terá um olhar algébrico limitado. Esse é um dos motivos que afasta muitos jovens e adultos das áreas de exatas, pois acabam acreditando que não nasceram para isso. Mas o que verdadeiramente acontece é que ele não foi ensinando a conectar ideias e pensar nessa diversidade que o pensamento matemático proporciona.
Um outro fator importante das conversas numéricas é solicitar aos alunos que representem visualmente o seu pensamento. Confesso que esse é um desafio muito grande para alunos e professores, porque não fomos ensinados a ver matemática. Hoje eu compreendo que é possível e importante para aprendizagem a representação visual do pensamento matemático e me esforço muito para juntos construirmos a representação visual das ideias apresentadas, o que me possibilita aprender junto com os meus alunos o que não aprendi na minha formação escolar e acadêmica.
A prática das conversas numéricas associadas a atividades abertas, criativas e visuais amplia os horizontes dos alunos. É notável o quanto eles evoluíram na argumentação, na explicação de suas ideias e na criatividade para resolução de um problema. É uma tarefa diária reconstruir uma abordagem da matemática que de fato contribua para o desenvolvimento do meu aluno e que faça sentido, pois a essência da matemática não está em saber resultados, mas pensar de forma lógica e visual e em diversas possibilidades de soluções.
Patrícia Barreto - Licenciada em Matemática pela Universidade Jorge Amado, com especialização em Metodologia do ensino da Matemática pela Universidade Estácio de Sá. Trabalha desde 2008 em sala de aula lecionando a disciplina de Matemática em escolas tanto da rede pública quanto da rede particular em Salvador. Leciona para os Anos Finais do ensino Fundamental II na rede pública de ensino com as turmas do 6° ano, 8° ano e 9° ano na cidade de Candeias-Ba e também na Rede SESI BAHIA de Educação com as turmas do 6° ano também em Candeias.
Parceria com Mentalidades Matemáticas Brasil
Fonte: Portal Porvir -Patrícia Barreto