Mudanças climáticas: projeto reúne sonhos sobre proteção ambiental
Iniciativa de pesquisadora da USP incentiva o debate sobre os impactos da crise climática e recebe depoimentos via formulário online e canal no WhatsApp
O ano de 2023 foi o mais quente já registrado no planeta. A confirmação do fato foi feita na última terça-feira, 9 de janeiro, pelo serviço de monitoramento climático do observatório europeu Copernicus. Em meio a desastres naturais, ondas de calor e secas históricas, notícias como essa podem causar o que tem sido chamado por algumas pessoas de “ecoansiedade” ou “depressão climática”. “Quando os desafios parecem grandes demais, como é o caso do aquecimento do planeta, que intensifica nossos maiores problemas, há um grande risco de sermos tragados pelo desespero e pela resignação”, afirma a pesquisadora Mariana Leal de Barros, líder de um projeto que pretende mexer com as subjetividades coletivas, criando uma rede de laços sociais para enfrentar as mudanças climáticas.
Batizado como Jacarandá – sonhar em rede, em dezembro de 2023 o projeto começou a coletar relatos de sonhos com a temática do clima e seus impactos socioambientais. São sonhos, tanto de crianças quanto de adultos, cujos relatos constituirão um acervo circulante. Pesquisadora associada do Laboratório de Etnopsicologia da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão Preto, e do CERNE (Centro de Estudos de Religiosidades Contemporâneas e das Culturas Negras) da USP, Mariana conta que a construção do acervo de sonhos é um desdobramento de sua pesquisa de pós-doutorado com jovens ativistas socioambientais negros e indígenas. Ela desenvolve ambos os projetos – o acervo e a pesquisa de pós-doutorado – no núcleo Cebrap Sustentabilidade.
“No desenvolvimento do projeto com as jovens lideranças do clima, amparados na luta coletiva, percebi que havia muita gente sofrendo sozinha com as perspectivas catastróficas da emergência do clima. Como sou psicanalista, já ouvia alguns sonhos que associavam impactos das mudanças extremas do clima em minha clínica e notava que, ainda que haja sempre algo de singular nos sonhos que me narravam, aqueles tinham conteúdos que valeriam ser ouvidos de forma mais ampla”, diz Mariana. “Fazemos essa aposta na criação de um acervo circulante com relatos de crianças e adultos que têm sonhado o mundo para que também possamos ouvir uns aos outros”, explica.
O projeto Jacarandá está recebendo relatos de sonhos por meio de um formulário online e também pelo WhatsApp. Os relatos podem ser enviados por escrito ou por áudio. Também podem ser enviadas produções artísticas que o sonhador tenha desenvolvido a partir do sonho, como desenhos, por exemplo. Crianças e adolescentes podem participar com relatos enviados por seus responsáveis. O projeto manterá o formulário aberto ao longo de todo o ano de 2024. Durante esse período, os pesquisadores vão compartilhar de forma anônima alguns relatos de sonhos nas páginas do projeto – por enquanto, o Jacarandá está somente no Instagram.
“Poder endereçar seu sonho a alguém ou poder ouvir o que pessoas estão sonhando oferece figurabilidade e contorno a essa situação distópica e sem sentido de ouvirmos cientistas falando em fim de mundo; saímos da ficção e fomos para a estatística, somos impactados com dados alarmantes sobre quando e como, e muito pouco se fala de saídas possíveis. O resultado disso é imobilismo, ansiedade e depressão, um perigo quando o fenômeno que vivemos exige nossa presença ativa na construção de alternativas coletivas”, afirma a pesquisadora, que é doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências de Ribeirão Preto da USP e em Sociologia e Antropologia pela Université Lumière Lyon 2, na França.
Sonhar para projetar um futuro diferente
Coordenador do Cebrap Sustentabilidade e supervisor do pós-doc de Mariana, Arilson Favareto afirma que o projeto é inovador por abordar a temática ambiental a partir de um aspecto menos conhecido. “Uma linha de atuação do Cebrap Sustentabilidade analisa as condições de uma transição para a sustentabilidade nas formas de relação entre sociedade e natureza em tempos de mudanças climáticas. Em parte isso envolve políticas, investimentos. É a face mais conhecida. Mas em parte envolve também a subjetividade humana e a maneira como as pessoas percebem a crise climática, como angústia, e também como desejo e projeção de um futuro diferente”, diz Arilson, que é professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Segundo Mariana, o desejo de um futuro diferente tem aparecido em alguns relatos de sonhos já recebidos. É o caso de uma jovem de 25 anos que acrescentou um comentário ao relato que enviou ao projeto, fazendo uma reflexão:
“Eu me recuso a acreditar que não há o que fazer. Eu não me conformo que não tenha o que fazer. Isso, talvez, me mostre que eu tenho uma esperança na humanidade que eu nem sabia que tinha.”
Margarida (pseudônimo), 25 anos
Relatos como o de Margarida também abrem uma janela para compreender as experiências das juventudes frente aos desafios colocados pela mudança climática e a possibilidade de uma transição sustentável. Na opinião do coordenador do Cebrap Sustentabilidade, isso é importante porque os jovens de hoje serão as lideranças na política, na economia e no ativismo social amanhã. Serão, portanto, os protagonistas da transição.
“Mas é preciso levar em conta que as mudanças climáticas afetam a todos, mas não de maneira igual. Entender como isso se manifesta de maneira diferenciada entre jovens negros, indígenas e outros segmentos também é fundamental para que se possa lidar afirmativamente com a diversidade e fazer disso um trunfo na transição para uma nova ordem social”, alega Arilson.
É justamente porque a mudança do clima não afeta todas as pessoas da mesma maneira que os cenários mais drásticos descritos pelos cientistas podem ser argumentos ruins para provocar mobilização social. “É muito perigosa essa ideia de ‘fim de mundo’, de que não temos mais tempo. O fim começou agora para quem? Para quem o conforto foi abalado apenas agora? A vida sem garantia de futuro, empobrecida e ameaçada, já é vivida pela maior parte da população mundial há muito tempo”, ressalta Mariana.
Fonte: Portal Porvir - Silvana Salles, do Jornal da USP