‘Inteligência artificial não pode caminhar sem pensamento crítico’, defende coordenadora da Unesco
Adeline Hulin, coordenadora de Alfabetização Midiática na sede da Unesco em Paris, aponta a alfabetização midiática como um caminho seguro para navegar no ambiente digital
Em tempos de inteligência artificial generativa e excesso de fake news, é preciso redobrar o cuidado com o que se vê na internet. Ainda mais quando as pesquisas indicam que o número de notícias falsas circulando pelas redes aumentou em dez vezes entre 2022 e 2023 e que, até 2026, a estimativa é de que 90% do conteúdo online seja gerado artificialmente. Investir em educação midiática nunca foi tão urgente.
“Nosso objetivo é que a IA se torne uma força positiva e não uma fonte de confusão e desinformação”, alerta Adeline Hulin, nova coordenadora do departamento de Alfabetização Midiática e Informacional na sede da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em Paris.
A especialista abriu o Encontro Internacional de Educação Midiática, realizado pelo Instituto Palavra Aberta no Rio de Janeiro nos dias 23 e 24 de maio, reunindo pesquisadores e representantes governamentais para debater o desenvolvimento de competências digitais e a formação crítica – e contínua – frente à avalanche de informações que circulam pela internet. “Na Unesco, cada vez mais, reconhecemos a importância de fortalecer e empoderar as pessoas para navegar no ambiente digital”, defende. “A definição de educação midiática é ampla, e precisamos evoluir junto com a tecnologia.”
Em um cenário que aponta a desinformação em segundo lugar como preocupação global, atrás apenas dos eventos climáticos extremos, a confiabilidade das informações online é crucial para apoiar a sociedade em suas escolhas. Como exemplo de como uma informação falsa pode provocar pânico, Adeline mostrou uma foto gerada por IA do presidente norte-americano Joe Biden vestido com uniforme militar, utilizada para enganar pessoas e sugerir uma iminente guerra.
Impactos da desinformação
O Global Education Online Report, relatório lançado pela Unesco a cada dois anos (com sumário do estudo de 2023 disponível em português neste link), mostra em sua edição mais recente os impactos da tecnologia no dia a dia da juventude. As meninas são as mais afetadas em diferentes aspectos: o aumento da interação nas redes sociais aos 10 anos está diretamente associado ao agravamento de dificuldades socioemocionais entre elas, à medida que envelhecem. O cyberbullying é mais comum entre as garotas (37%) e estudantes não-binários (29%), aumentando, por exemplo, distúrbios emocionais e alimentares.
“Temos um grande desafio: a necessidade de educarmos crianças e adolescentes nas redes sociais. A alfabetização midiática é algo cada vez mais urgente, e é necessário também incluir os pais nesse processo educativo”, aponta Adeline.
A Unesco define alfabetização midiática e informacional como um termo abrangente que cobre habilidades e competências que ajudam as pessoas a entender suas necessidades de informação e a melhor buscar, encontrar, avaliar, usar e contribuir com os conteúdos. Para Adeline, não se trata de uma iniciativa isolada, e sim parte de um esforço contínuo e colaborativo para combater a desinformação e o discurso de ódio.
O período eleitoral também é preocupante quando se trata de fake news. No ano passado, a Unesco e a Ipsos realizaram o estudo ”Survey on the impact of online disinformation and hate speech” (Impacto da desinformação online e discurso de ódio) em 16 países com eleições gerais em 2024. Os dados mostraram que 94% dos entrevistados relataram ter sido enganados por informações falsas na internet. Apenas 48% dos cidadãos disseram ter recebido algum conteúdo relacionado à desinformação no contexto de uma eleição.
“As pessoas estão preocupadas com o impacto das informações falsas, ressaltando a falta de confiança em distinguir o que é desinformação. Vemos aí a necessidade de agir e fazer algo para melhorar a habilidade das pessoas”, comenta.
Adeline também apresentou alguns dados do projeto Social Media 4 Peace (Mídias sociais para a paz), lançado pela Unesco em 2021 e que vem sendo implementado em quatro países: Bósnia e Herzegovina, Indonésia e Quênia. O objetivo é apoiar sociedades polarizadas diante do impacto do conteúdo online que, por um lado, espalha desinformação e incita violências, ao mesmo tempo em que protege a liberdade de expressão e pode promover a cultura de paz.
A proposta é aproveitar as mídias sociais para viabilizar narrativas positivas, com atividades que envolvem pesquisa e formação. “No Quênia, por exemplo, começamos a fazer a moderação em inglês, mas há outras 48 línguas. Isso nos mostra que as pessoas precisam de habilidades e trabalhar com plataformas digitais para trazer soluções globais”, exemplifica a pesquisadora. O documento “Local lessons for global practices” (“Lições locais para práticas globais”) mostra os principais pontos de atenção, entre eles o fato de apenas 13% do orçamento de moderação do Facebook ter sido destinado ao desenvolvimento de algoritmos para detectar desinformação fora dos EUA em 2020.
Apoio formativo
Para conscientizar sobre o acesso à internet e propor como navegar de uma maneira mais segura e crítica, a Unesco oferece alguns materiais em sua plataforma. Confira, abaixo, o que está disponível em português:
- Internet for Trust: Conjunto de diretrizes para a governança das plataformas digitais (guia disponível em português). As orientações descrevem um conjunto de deveres, obrigações e funções para países, plataformas digitais, organizações intergovernamentais, sociedade civil, mídia, academia, comunidade técnica e outras partes interessadas, a fim de possibilitar um ambiente propício em que a liberdade de expressão e informação estejam no centro dos processos.
- Curso online “Alfabetização e letramento midiático, informacional e diálogo intercultural”: voltado à construção de conteúdo digital e análise crítica, as aulas são baseadas no Currículo de Alfabetização Midiática da Unesco e são administradas por pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). São 10 módulos voltados a como buscar informações de maneira segura, conhecer as ferramentas disponíveis para pesquisa e verificação de fontes e agir proativamente no caso de notícias falsas.
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa DMaschio