Formação em recursos digitais segue fundamental no cenário pós-pandemia
Estudo deixa evidente o tamanho do desafio que professores, inclusive bilíngues, enfrentam diante de um contexto tão díspar de ensino e aprendizagem
“Atualmente no Brasil, 21% dos alunos matriculados em escolas públicas da educação básica não têm acesso à banda larga, essencial para o ensino virtual. Isso significa que mais de 8 milhões de estudantes estão desconectados. Na pandemia, a situação dos alunos sem acesso tecnológico para acompanhar as aulas piorou, aumentando a disparidade já existente em relação aos jovens na rede privada. Entre os alunos sem computador em casa em áreas urbanas, 39% estudam em escolas públicas, ante apenas 9% do ensino privado.”
O texto acima, da pesquisa Abismo Digital, promovida pela consultoria PwC, em parceria com o Instituto Locomotiva, compila dados recentes sobre o tema. Divulgado em março de 2022, o estudo evidencia não só a realidade desigual da educação no país, como indica o tamanho do desafio que os educadores enfrentaram, e ainda enfrentam, diante de um contexto tão díspar de ensino e aprendizagem — o que mostra também como a formação dos professores é um ponto crucial neste cenário.
Neste sentido, Valéria Benévolo França, Head of Learning & Development no Edify, ressalta que o período demandou uma grande capacidade de adaptação por parte dos docentes de forma repentina e brusca. “Isso significou uma adaptação ao uso de ferramentas digitais nos contextos onde os alunos tinham acesso a um meio digital. E para os alunos sem acesso, ou acesso limitado a tais recursos, observamos uma imensa criatividade entre os professores. Isso gerou, por outro lado, um desgaste emocional também imenso”, aponta.
Ainda de acordo com a pesquisa, as dificuldades dos educadores para se adaptar foi alta. No total, 89% não tinham experiência anterior em ensino remoto e a maioria não recebeu formação para usar tecnologia digital. É o que explica Antonieta Heyden Megale, coordenadora do curso de pós-graduação em Educação Bilíngue e extensão do Instituto Singularidades, “Não podemos nos esquecer da desigualdade que é constitutiva de nosso país. Em muitos contextos, alunos ficaram sem aulas, pois não possuíam os recursos necessários ou mesmo porque não tinham um local adequado para acompanhar as aulas de modo remoto”, afirma.
Os educadores passaram por momentos muito complicados e frustrantes, analisa a coordenadora. “Essas escolas, preocupadas com a criação de condições básicas para que os alunos não ficassem totalmente sem aula, não puderam ter como preocupação central a criação de momentos e espaços de compartilhamento de práticas e de reflexão sobre as experiências vividas”, complementa Antonieta
No contexto do ensino bilíngue, Antonieta acredita que a pandemia reforçou a ideia de que o professor de inglês, para atender às demandas do mundo contemporâneo, não pode ser apenas um técnico do idioma — o Instituto Locomotiva aponta também, no estudo Abismo Digital, que 87% dos brasileiros não falam um segundo idioma, e que apenas 9% dizem falar inglês. “Ele precisa ser um educador linguístico interculturalmente competente. O ensino de inglês não envolve somente aspectos linguísticos e didáticos, mas também aspectos relativos à cultura e à sociedade em geral. Para tanto, é indispensável compreender como o objeto e meio de seu trabalho, o idioma inglês, está posicionado no Brasil e no mundo”.
Formação e autoconhecimento
Segundo Valéria Benévolo, com o retorno às aulas presenciais, os desafios agora são outros. “Já percebemos de forma bem clara que todos nós, docentes e alunos, estamos aprendendo a nos adaptar à sala de aula pós-pandemia”, diz. “Se por um lado descobrimos que os alunos poderiam ser mais resilientes e, em alguns casos, até mais autônomos do que imaginávamos, por outro lado estamos começando a identificar perdas de aprendizagem significativas entre os estudantes”.
É por esta razão que, segundo ela, é importante que o docente reveja seu papel no contexto educacional. E para isso as comunidades de práticas e espaços de trocas são fundamentais.
“Sempre aprendemos muito ouvindo e vendo a boa prática de outro professor. Isso auxilia na disseminação de novas ideias de uma forma bem rápida e eficaz e, acima de tudo, gera muita confiança no educador”, completa Valéria.
Antonieta Megale reforça, inclusive, a importância destes espaços de formação justamente em relação ao uso de ferramentas tecnológicas e digitais, tão evidentes a partir da pandemia.
“A tecnologia é uma aliada do ensino desde que o professor construa conhecimentos para selecionar recursos digitais de acordo com os objetivos de aprendizagem definidos. Para tanto, é necessário oferecer formações em serviço e espaços de compartilhamento de experiências entre educadores. Esses movimentos devem ter como objetivo auxiliar o educador a avaliar e fazer uma curadoria dos recursos digitais disponíveis e incorporá-los à sua prática pedagógica como aliadas da personalização da aprendizagem e da construção da autonomia”, considera.
E tanto Antonieta Megale quanto Valéria França concordam que, para além do desenvolvimento de habilidades tecnológicas e digitais, é importante que o professor desenvolva habilidades referentes a seu autoconhecimento enquanto profissional, “para que possa agir de modo empático, sabendo identificar e superar suas dificuldades, além de estabelecer relações construtivas em sala de aula”, diz Antonieta.
“Isso também significa um zelo maior em relação às habilidades socioemocionais. Saber estabelecer um ambiente de acolhimento, onde o aluno se sente seguro, auxilia imensamente nesta retomada do processo de aprendizagem”, finaliza Valéria.
Fonte: Portal Porvir - Lidiane Ferreira