Notícias

Formação de professores para projeto de vida deve ter como objetivo a educação integral

Entender o que significa propósito na carreira docente ajuda educador a apoiar estudante na definição de projetos para o presente e o futuro

Em contextos diferentes, Rafael Ramos e Moisés Steiner encontraram no componente de projeto de vida, que integra o ensino médio, uma chance de falarem e serem ouvidos. Com a componente curricular, conseguiram debater assuntos relacionados à juventude de forma estruturada em sala de aula e, em uma fase de muitas incertezas, tiveram apoio para desenhar planos de curto prazo e qual caminho seguir quando concluírem a trajetória escolar.

Aos 17 anos, Rafael estuda no 3º ano do Colégio Modelo Luis Eduardo Magalhaes, em Itabuna (BA). Aluno da professora Maria Goretti, que já publicou no Porvir um relato na seção Diário de Inovações, ele participou do projeto “Reaproveitar para saciar”, sobre insegurança alimentar. O estudante conta que desde o primeiro ano do ensino médio teve a chance de debater assuntos como ansiedade, depressão, “algo que a juventude sofre demais”. Além do viés socioemocional, as aulas também refletiam temas latentes fora da escola. “Falamos sobre temas diversos, do nosso dia a dia: do racismo à degradação do solo, do direito à água potável ao descarte do lixo, bem como questões de gênero”.

No sul do país, Moisés sonha em se tornar um engenheiro de software. Aluno da EEB (Escola de Educação Básica) Tancredo de Almeida Neves, em Chapecó (SC), ele conta que mesmo durante o período de aulas remotas pôde colocar seus objetivos no papel. “Se você não se preparou, vai ter que fazer em cima da hora. Trazer isso já na escola, no ensino médio, ajuda muito o estudante a se preparar para a vida futura”, diz. De um início com desconfiança “O que eu vou aprender com isso?” com o componente curricular projeto de vida, hoje Moisés se diz mais confiante em seguir carreira na área de exatas. “Defino minha trajetória escolar como bem interessante, porém normal. Desde pequeno, gostava das áreas de exatas, e hoje em dia isso não é diferente”.

Para que os interesses dos estudantes deem origem a um plano coerente desenhado ao longo do ensino médio, o trabalho de formação do professor com projeto de vida precisa refletir todo esse processo.

Projeto de vida para além do currículo

Outro ponto importante a ser compreendido por educadores é que a temática de projeto de vida precisa ir além da ideia de componente curricular e ser tratada de forma abrangente. “Apesar de o senso comum associar projetos de vida com a dimensão profissional, há um entendimento de que observa três dimensões. A dimensão profissional, a pessoal e a social. E por conectar múltiplas dimensões dos sujeitos, acaba apoiando a escola na promoção do desenvolvimento integral dos estudantes”, afirma Renata Alencar, coordenadora pedagógica do Instituto iungo.

E todo educador deve ter como objetivo final o desenvolvimento integral. É por isso que professores de diferentes disciplinas podem assumir o ensino do componente curricular. Renata explica que cada rede estadual segue parâmetros próprios para destacar um professor para atuar com projeto de vida no ensino médio. Ele não precisa ter formação em área de humanas ou sociais: não há nada que impeça, por exemplo, que um professor de matemática atue em aulas deste componente.

“Tem que ser um professor com empatia e cooperação, que conheça ou busque conhecer o seu estudante e que se abra para dialogar com as juventudes que compõem a escola”, diz Renata. E mesmo educadores responsáveis por outras áreas do conhecimento também devem se preocupar em desenvolver habilidades que contribuam para que os planos da aula de projeto de vida se tornem realidade.


Formada em química e professora de projeto de vida na escola de Moisés, em Chapecó, Shana Sitta diz que professores precisam estar prontos para ampliar seu entendimento sobre o que significa um projeto de vida. “Não é ser um coaching (consultoria) para o mundo das profissões. É claro que a dimensão profissional está envolvida, mas não é só isso”, pontua.

Ela conta que costumava pensar em maneiras de explicar o que significava ter um projeto de vida, mas a ideia esbarrava na experiência pessoal. “Como é que eu vou ajudar estudantes a pensar sobre projetos e vida se nem eu tenho um para mim?”, relembra. “A formação passou muito pelo trabalho com o meu projeto de vida. Enquanto eu trabalhava com os estudantes, também ia pensando, construindo, desenvolvendo e aprimorando os meus próprios projetos de vida”, afirma a professora, que também atua como formadora de educadores na rede estadual do Rio Grande do Sul.

E o processo de formação também impacta o próprio educador. Na coletânea de relatos sobre o trabalho com projetos de vida na escola publicada pelo Porvir, essa é uma opinião sempre presente. Renata explica como esse trabalho traz propósito ao dia a dia de quem está em sala de aula. “Precisa ser do interesse de todos os professores de ensino médio desenvolver seu repertório sobre projetos de vida. É importante tanto para apoiar o estudante na construção dos projetos quanto para dar sentido para a escola. O trabalho com projetos de vida nos permite identificar propósitos e o que nos movimenta.”

Formação gratuita – Educadores e seus projetos de vida

Para apoiar este aspecto da formação de professores para o ensino médio, a plataforma Nosso Ensino Médio oferece uma trilha com duas atividades: a primeira convida visitantes a pensarem sobre seus propósitos pessoais e como educadores; na segunda, são sistematizados objetivos e sonhos em um plano de desenvolvimento pessoal e profissional. Saiba mais

Formação contínua do professor

Utilizar o componente curricular de projeto de vida demanda uma compreensão por parte do professor de que as aulas requerem atualização constante para acompanhar as demandas dos estudantes. É por isso que falar de questões socioemocionais antes da pandemia pode ser diferente de atualmente, assim como discorrer sobre democracia e cidadania antes e depois das últimas eleições tem um peso ainda mais considerável.

E não há como evitar falar de temas que não tem um único entendimento a partir do portão da escola. “Eu sempre deixo claro para os alunos que cada um tem a sua opinião de acordo com os seus valores, suas vivências e suas crenças, mas a gente precisa conversar e ouvir opiniões diferentes. Nas aulas, não se pode evitar assuntos porque são difíceis. Tem que ter clareza de que eles fazem parte da vida e, se a gente tiver o apoio da gestão escolar e do coletivo de professores, fica mais fácil”, comenta a professora Shana, de Chapecó.

Na escola Tancredo de Almeida Neves, Shana afirma que divergências em conversas na sala de professores são tratadas com naturalidade. “É uma cultura da escola que a gente se sinta aberta dialogar sobre qualquer coisa na sala dos professores e isso acaba transbordando para sala de aula também. O apoio da gestão é fundamental nesses casos por professor não se sentir desamparado.”

No Ceará, Kátia Alves de Sá, professora formada em sociologia que desde 2019 leciona projeto de vida na Escola Estadual de Ensino Profissional Lysia Pimentel Gomes Sampaio Sales, em Sobral, afirma que teve de buscar conhecimentos na área de psicologia e competências socioemocionais para lidar com as demandas emocionais dos alunos. Comesse autocuidado, Kátia defende que professores estarão prontos para desenvolver um trabalho claro e intencional com os alunos, visando promover o seu crescimento e desenvolvimento.

“Como eu era mais da área da sociologia, na faculdade desenvolvi a habilidade de articular debate para compreensão da realidade social, mas em projeto de vida eu tive que desenvolver a habilidade de uma escuta mais apropriada, que tem a ver com o campo psicológico e aí fiz vários cursos de terapia”, relata.

10 planos de aula sobre projeto de vida para você usar agora

Compromisso com a cidadania

Para confrontar e debater temas contemporâneos em sala de aula, Kátia conta que teve que procurar outras leituras para entender a divisão política. “Eu tive que ter uma sensibilidade ainda maior, porque sabia que poderiam surgir contradições e críticas a minha fala se eu me posicionasse em favor dos direitos humanos, por exemplo”. Em outras palavras, Kátia se lembra desses momentos de aula como alguém que estava sempre com a preocupação de fundamentar cuidadosamente contextos das conversas. “Era um trabalho muito maior”, afirma.

Quando realizou atividades ligadas a questões relacionais, a professora Kátia exemplifica que lançava perguntas como: O que a classe esperava de um comportamento cidadão? Qual era o entendimento de cada um sobre o que é um cidadão comprometido com suas responsabilidades? Assim, ela conseguiu criar pontes entre opiniões divergentes e demonstrar aos estudantes que a conversa poderia ser feita de uma forma não ofensiva.

No contexto brasileiro atual, ter a oportunidade de estabelecer debates mais ricos sobre cidadania e democracia exige a reafirmação de convicções por parte do educador. “Tomar posições com criticidade no mundo é um fator importante no trabalho com projetos de vida. É um engano achar que projetos de vida são construídos na neutralidade”, analisa Renata, do Instituto iungo. “As pessoas têm que se posicionar com responsabilidade, baseadas em conceitos de cidadania e preocupadas em desenvolver valores que sejam positivos para a sociedade”.

Para além das questões relacionadas a um lado ou outro do espectro político, Renata ressalta a necessidade de colocar em prática uma educação que reconheça diversidades e seja antirracista. “Isso é fundamental num país como o nosso, no qual as desigualdades são tantas. Não cabe neutralidade, cabe um trabalho respeitoso sobre valores entendendo que os estudantes são sujeitos em formação e que temos que apoiá-los na construção de valores positivos não só para eles, mas para a sociedade como um todo.”

Fonte: Portal Porvir - Vinícius de Oliveira / Ana Luísa DMaschio

author Advice