“Este é um momento fundamental para deixar as crianças brincarem de forma espontânea”
Na Semana Mundial do Brincar, o Porvir conversou com a especialista Adriana Friedmann para entender as possibilidades das atividades lúdicas no ensino e na convivência pós-pandemia
Brincar é um direito garantido na legislação, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil e também na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). E não só: o assunto conecta o mundo no dia 28 de maio, por meio do Dia Internacional do Brincar, reconhecido pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) há 22 anos. Em referência à data, a Semana Mundial do Brincar também acontece anualmente, nos últimos dias de maio, reunindo escolas, organizações e movimentos sociais que reforçam a importância do brincar por meio de suas programações. A Aliança pela Infância é responsável pelo evento no Brasil.
Neste ano de retomada das aulas presenciais, o tema é “Confiar na força do brincar”. Para além das comemorações, o Porvir convidou a antropóloga e pedagoga Adriana Friedmann, criadora do Mapa da Infância Brasileira e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento, para refletir sobre a potência do brincar depois de tanto tempo de isolamento social. Qual o poder da brincadeira no currículo escolar?
“Essa é a hora na qual os professores terão a oportunidade de conhecer – e fazer um ‘diagnóstico’ da realidade de cada criança, com suas potências, seus medos, o que trazem como repertório e linguagem. Porque, nesse tempo de pandemia, certamente elas aprenderam muita coisa, mesmo que sem a presença na escola”, afirma Adriana. “Mais do que nunca, as crianças precisam expressar suas emoções, muitas delas reprimidas nestes meses de corpos presos e limitados”, diz a pesquisadora, que também oferece sugestões para que educadores e pais aproveitem mais momentos juntos, principalmente ao ar livre. Confira:
Porvir – Depois de tanto tempo em casa, em frente ao computador, o que os professores podem fazer para aproveitar melhor as brincadeiras?
Adriana Friedmann – Este é um momento fundamental para deixar as crianças, por um lado, brincarem de forma espontânea. Ou seja: que nos espaços abertos elas possam escolher com quem, como, onde e com o que desejam brincar. Esta atitude tem a ver com a possibilidade das crianças pequenas poderem se expressar pelo brincar, a partir dos seus corpos, gestos, movimentos, e das suas necessidades, desejos e interesses. As crianças precisam expressar, mais do que nunca, suas emoções, muitas delas reprimidas nestes meses de corpos presos e limitados. É importante oferecer tempos e espaços de autonomia e, nessas situações, os educadores terão a chance de reconhecer o que as crianças estão sentindo, suas preferências, seu momento. Essa é a hora na qual os professores terão a oportunidade de conhecer – e fazer um ‘diagnóstico’ da realidade de cada criança, com suas potências, seus medos, o que trazem como repertório e linguagem. Porque, nesse tempo de pandemia, certamente elas aprenderam muita coisa, mesmo que sem a presença na escola.
Porvir – Como arrumar tempo para brincar quando a escola parece querer tirar o atraso em relação às disciplinas e conteúdos?
Adriana Friedmann – É muito importante dizer que as crianças não vão render só estudando. Elas precisam desse tempo de brincar, de se expressar por meio das artes, do corpo, do movimento. Precisam dos tempos dos recreios, principalmente os pequenininhos: com eles, tudo se faz brincando, tudo o que o professor vai ensinar é por meio da brincadeira e de estratégias para criar os tempos e espaços lúdicos. Isso é fundamental, faz parte do desenvolvimento. A criança não vai tirar o atraso e aprender se não tiver momentos de respiro. Estamos falando de brincadeiras, do brincar por meio de expressões plásticas, corporais por meio do teatro e da música, por exemplo. Com a turma mais velha é a mesma coisa, o professor tem de ser extremamente criativo e não oferecer o tempo do recreio apenas para o lanche. É preciso interagir, propor, inclusive nas disciplinas, atividades lúdicas como jogos para despertar mais interesse.
Porvir – Quais sugestões você daria aos educadores?
Adriana Friedmann – Se observado em profundidade, o brincar possibilita trazer luz para conteúdos trazidos pelas próprias crianças. O mais importante, e desafiador, é criar um equilíbrio entre tempos livres e outros dirigidos. Tempos de livre expressão e tempos de atividades diversas e orientadas a partir das realidades observadas nas manifestações espontâneas das crianças.
Porvir – E como isso pode ser feito?
Adriana Friedmann – É preciso criar conexões entre os repertórios das crianças e suas vozes com conteúdos relacionados, pensados ou ressignificados pelos educadores – por que não? – junto com as crianças. Esses momentos de livre brincar poderão servir como base para se pensar quais tipo de brincadeiras ou outras atividades dirigidas podem ser pensadas para serem oferecidas.
Porvir – Quais atividades podem ser levadas para as escolas?
Adriana Friedmann – Desde a exploração dos espaços e cantos da escola, reconhecimento e cuidado de árvores, plantas, hortas, por exemplo. É possível oferecer espaços e tempos para as expressões plásticas com arte, desenho, modelagem, colagem, criação de maquetes. Outra sugestão é o trabalho com expressões musicais, jogos, contação de histórias e passeios junto à natureza, entre outras tantas ideias.
Porvir – Como aproveitar as áreas abertas das escolas, inclusive para os alunos mais velhos?
Adriana Friedmann – As crianças do ensino fundamental e os pré-adolescentes e jovens precisam também de espaços ao ar livre onde tenham, além de atividades orientadas, tempos de liberdade e autonomia. Para trocar, para conversar, para movimentar seus corpos, para cultivar relações e vínculos, para respirar, para aprender, para poder fazer escolhas. O professor pode ir mudando de espaço dentro da escola, descobrir ou criar cantos para os diversos conteúdos e atividades.
Porvir – Como descobrir espaços na escola voltados ao brincar?
Adriana Friedmann – Se a gente pensar na escola como um grande ‘laboratório’ de experiências, quaisquer espaços têm o potencial de transformar-se e adequar-se a todo tipo de aula, experiência e conteúdo. As aulas ao ar livre, com as crianças sentadas no chão ou em cadeiras, em roda, até em almofadas que cada uma poderia confeccionar)… A roda é uma oportunidade bem interessante para tornar as aulas dialógicas, democráticas e participativas. Onde todos conseguem se olhar, se escutar, cada um usufruindo de espaço de fala, de troca e de escuta.
Porvir – O que você sugere em relação à escuta desses alunos?
Adriana Friedmann – A escuta e a observação das crianças por parte dos professores dará o norte, será a bússola para que compreendam em qual momento se encontra cada criança e assim, poderão trabalhar a partir dessas realidades e não de um currículo desconectado das mesmas. O desafio agora será integrar estas propostas com o momento e a realidade em que as crianças se encontram. Sem pressionar, mas respeitando as singularidades de cada uma.
Porvir – Em linhas gerais, qual a importância do momento da brincadeira na escola na vida das crianças?
Adriana Friedmann – A brincadeira é a linguagem essencial de todo ser humano. Ela oferece a oportunidade de lidar com seus sentimentos, descobrirem suas potências, seus limites, conviverem com seus pares e/ou com crianças mais novas ou mais velhas, e com adultos. O brincar abre um universo de possibilidades para adentrar as diversas culturas, o mundo das letras, das artes, da ciência. As crianças são curiosas, são pequenos cientistas que só poderão aprender a partir da diversidade de experiências e do exemplo. Deixar as crianças brincarem é respeitar seus tempos de viver suas infâncias de forma plena e significativa, de viver plenamente e exercer a autoria e protagonismo a partir dessa linguagem que não somente elas aprendem no decorrer das suas infâncias, mas que elas têm como impulso lúdico desde que nascem e é um canal expressivo para o resto das suas vidas.
Porvir – E em casa, como os pais e responsáveis podem diminuir o uso de telas e incentivar a brincadeira?
Adriana Friedmann – Depende das idades, mas em casa os pais podem fazer combinados com as crianças: combinados de telas e combinados de jogos em família. Eu acho que os pais têm que estar bem conectados para compreender as necessidades que diferem de uma idade para outra. Os avós têm aqui um papel importante: como era a brincadeira na infância? Vamos mudá-la? É uma forma de diálogo e de promover o interesse da criança, que também pode ensinar suas próprias brincadeiras para os pais e responsáveis.
Porvir – Como um adulto pode ser, também, um ser brincante e aproveitar melhor o tempo com as crianças?
Adriana Friedmann – O adulto não precisa se infantilizar novamente, e sim se sentir à vontade quando brinca junto. Todos precisamos de tempo para fazer com que nossos corpos se sintam à vontade para poder dançar, cantar, pintar, encontrar outras formas lúdicas que são extremamente saudáveis e necessárias para todo ser humano. Se a criança cresce com esse olhar, desde sempre vai brincar como forma de criar, de dar livre curso à imaginação e de expressar emoções que muitas vezes não podem ser mostradas de outras formas.
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa DMaschio