Escola deve fomentar pensamento crítico para melhorar o uso de tecnologia por estudantes, diz Rossandro Klinjey
Para o psicólogo Rossandro Klinjey, não é possível ignorar a presença das tecnologias digitais, mas que a escola pode incentivar o desenvolvimento de habilidades que tornem os alunos mais aptos a utilizá-las corretamente
A sociedade vivencia diversas relações baseadas no uso de ferramentas tecnológicas. As redes sociais são apenas um exemplo de como elas adentraram nas vidas de pessoas das mais diversas idades e ocupações.
Entre os muitos impactos previstos na presença online, no âmbito socioemocional eles podem ser ainda mais perceptíveis. O uso de ferramentas digitais deve estar conectado aos objetivos pedagógicos propostos pelos professores, e a tecnologia tanto pode ser uma ferramenta de auxílio ao desenvolvimento de competências socioemocionais, quanto pode também ser um dificultador.
Um relatório produzido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destacou que o desenvolvimento das competências socioemocionais está na base para um bom desempenho acadêmico e também do bem-estar psicológico. A pesquisa identificou que há uma tendência de queda dessas competências à medida que os estudantes avançam na educação, principalmente nos anos finais do ensino fundamental.
Em conversa com o Porvir, Rossandro Klinjey, educador, psicólogo, que é embaixador e cofundador da Educa, edtech brasileira voltada para o ensino socioemocional, pontuou que não há como ignorar a presença da tecnologia, mas um uso consciente deve ser sempre priorizado.
Entre as principais competências socioemocionais a serem desenvolvidas pela escola, Rossandro ressalta o pensamento crítico como uma das mais importantes. Isso se deve à própria vivência dos estudantes e suas atuações com as redes sociais, onde acabam tendo contato com linguagem violenta e assédio de diferentes tipos.
“Com o avanço das tecnologias digitais e o volume de coisas produzidas online, a pessoa precisa ter capacidade de pensamento crítico para poder fazer uma avaliação entre o que é mentira e o que é verdade”, comentou.
Confira abaixo destaques da conversa com o psicólogo:
Porvir – Quais competências socioemocionais podem ser melhor desenvolvidas com o apoio da tecnologia?
Rossandro Klinjey – A primeira que me vem à mente é a capacidade de ter pensamento crítico. Com o avanço das tecnologias digitais e o volume de coisas produzidas online, a pessoa precisa ter capacidade de pensamento crítico para poder fazer uma avaliação entre o que é mentira e o que é verdade. Precisa ter também empatia para que possa – quando for tocada por um post – ter a capacidade de suportar críticas, porque isso acontece. A praça pública que a internet se tornou deixou tudo mais complexo…
Porvir – Como a experiência digital impacta aspectos socioemocionais de crianças e adolescentes?
Rossandro Klinjey – Os impactos são mais negativos do que positivos. Temos uma construção social que não depende somente da escola, existe uma discussão no mundo inteiro sobre o controle de big techs (grandes empresa de tecnologia). Enquanto isso, nós pequenos atores, não podemos fazer essa luta lá, mas podemos fazer educação midiática, que é uma coisa muito fundamental. Sabendo que a vida digital impacta a vida emocional e não somente de crianças e adolescentes, como também de adultos, precisamos nas competências socioemocionais desenvolver as habilidades de viver essas experiências no universo online. Não é impossível fazer educação socioemocional sem você também fazer educação digital.
Porvir – Sobre quais aspectos deve a escola ficar um pouco mais atenta?
Rossandro Klinjey – É fundamental entender os impactos que a tecnologia tem, como provocadora de ansiedade, narcisismo, baixa de empatia… Vários estudos mostram as repercussões negativas das redes sociais. No entanto, não dá para chegar e dizer que ninguém vai usar mais. É possível usar isso como gancho do desenvolvimento dessas competências de como lidar com a ansiedade, ter pensamento crítico diante de um post, diferenciar fato de opinião etc…
Porvir – Você se refere a uma capacidade de filtrar o que é consumido online?
Rossandro Klinjey – Esse filtro deixou de existir, o que implica que, às vezes, tenho que desenvolver um filtro interno. Por exemplo, é muito comum fazer um post que tenha muitos comentários positivos e duas pessoas agressivas. Como nós somos um ser emocionalmente com vontade de unanimidade, a gente fica dando Ibope enorme a esses dois negativos, esquecendo a quantidade de comentários positivos. Se alguém faz um comentário contra algo que eu coloco, tenho que ter o senso de questionar se aquela mensagem é relevante para mim.
Porvir – Em quais etapas é menos indicado o uso de tecnologias digitais pensando nas competências socioemocionais dos alunos?
Rossandro Klinjey – Hoje nós sabemos que usar isso com crianças não é muito bem-vindo. Elas precisam tangibilizar o aprendizado. Então, pegar crianças no início da educação e colocar elas para usar plataformas digitais não é algo produtivo, apesar de ser uma realidade imposta. O digital pode impactar também na capacidade de foco dos estudantes. Contudo, ele também possibilita uma interação e conexão maiores. Tudo é uma questão de equilíbrio.
Porvir – Como gestores escolares podem planejar a compra de tecnologias digitais com foco no desenvolvimento socioemocional?
Rossandro Klinjey – É importante a gente falar que independentemente de atuar no digital ou não, o mantenedor ou diretor da escola que ainda não entendeu a relevância da educação socioemocional se perdeu no tempo e desconhece o papel da escola, que não é somente uma fornecedora de conteúdos. Especialmente agora no mundo em que o conteúdo é profuso e acessível e que as inteligências artificiais não estão só oferecendo, como também produzindo material.
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira