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Educação inclusiva traz caminhos para desafios da escola no pós-pandemia

Após um período de mudanças causadas pela pandemia, como a educação inclusiva pode apoiar novas estratégias num mundo pós pandêmico?

O retorno presencial ainda é um desafio para escolas de todo país. Depois de tanto tempo de aulas remotas, a perda da experiência coletiva trouxe dificuldades que vão além dos diferentes níveis de aprendizagem. Em muitas salas de aula, educadores estão diante de turmas com altos índices de desmotivação, estresse, angústia e falta de concentração.

Diante desse cenário, especialistas que subiram ao palco da Bett Brasil, evento de tecnologia e educação, realizado na última semana em São Paulo (SP), defendem que a educação precisa se transformar para acolher a diversidade e as múltiplas formas de aprender. E isso passa, necessariamente, pela inclusão.

O que a educação inclusiva pode trazer, não só para os alunos com deficiência, mas para toda a sala de aula? Foi com esse questionamento que Marta Gil, coordenadora do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, trouxe novas perspectivas sobre o papel de um educador inclusivo. “Ele valoriza a diversidade. Não é que ele aceita e respeita, mas, mais do que isso, ele valoriza e vê qualidade na diversidade.”

De acordo com a especialista, a educação inclusiva traz algumas respostas para desafios enfrentados pela escola no pós-pandemia. Isso porque ela provoca uma mudança de postura do educador diante dos múltiplos desafios enfrentados pela turma. “A inclusão é disruptiva, ela chega e mexe em tudo”, afirma Marta ao fazer referência ao uso de novas metodologias, ferramentas e estratégias pedagógicas.

“Ela [a educação inclusiva] trabalha com coisas muito concretas, estratégias que saem da lousa. Em uma sala de AEE [Atendimento Educacional Especializado] você tem jogos, computadores, livros e uma série de materiais que concretizam o ensino”, exemplifica. Com múltiplas possibilidades para envolver a turma toda em uma experiência de aprendizagem contextualizada, lúdica e concreta, os educadores são convidados a fazer o que a especialista chama de “inventário do sim”, que é apostar na potência, na qualidade e na capacidade de todos os alunos. “Porque, sim, todos podem aprender.”

Ao invés de apenas olhar para as dificuldades, as condições e os desafios, o professor vai deslocar a sua atenção para entender quem é esse aluno, como ele aprende e quais são as suas potências. “Muitas vezes, a gente faz o inventário do não. Você olha e diz assim: ele não enxerga, não tem uma perna, não escuta. Mas quais são as suas capacidades e habilidades? Não dá pra saber. Só convivendo com esse aluno, estimulando e desenvolvendo [todo o seu potencial].” E Marta ainda reforça: “A inclusão começa dentro de nós. Se eu não acreditar na inclusão e na potência desse aluno, eu não vou ser uma professora inclusiva.”

Qual é o papel do gestor escolar?

Para promover a inclusão e formar educadores inclusivos, Elaine Brandão, mediadora de processos educacionais participativos da Associação Educacional Labor, destacou o papel exercido pelos gestores escolares, que devem direcionar a equipe e dar o tom do trabalho, assim como um maestro conduz uma orquestra. “As pessoas precisam ser movidas por uma coisa chamada causa. Quando a escola tem uma proposta educacional clara e quando a equipe gestora se mobiliza para ser disseminadora e protetora dessa proposta educacional, as coisas começam a mudar”, afirmou a educadora, que dividiu o palco com Marta Gil na Bett Brasil.

A partir da experiência de quem esteve durante anos na direção da Escola Estadual Francisco Roswell Freire, no Grajaú, extremo Sul de São Paulo (SP), Elaine diz ser preciso muita intencionalidade para construir de fato uma educação inclusiva. Isso deve estar presente e traduzido no PPP (Projeto Político-Pedagógico), nas formações de professores, nas interações e nas adequações metodológicas e físicas feitas na escola. “Incluir é ter a certeza de que o lugar de todos é dentro da escola.”

Como apoiar uma educação inclusiva?

Para falar sobre inclusão, também é necessário pensar em seu oposto: a exclusão. Assim iniciou Maria Helena Altenfelder, pedagoga e superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), durante outra mesa sobre inclusão e diversidade na Bett Brasil, realizada na terça-feira (13). “A escola brasileira é ainda uma escola que exclui”, diz.

A educadora ressaltou, ainda, que entender o contexto de educação no país é fundamental para ter noção de que as complexidades são grandes e que há uma dívida histórica a ser paga. Segundo ela, essa dívida histórica faz referência aos impactos ocasionados pelo racismo, que atingem de maneira severa negros e indígenas e dificultam o acesso e a permanência em instituições de ensino, seja no ensino básico, seja no ensino superior.

Uma educação inclusiva requer que sejam reconhecidos os sistemas que promovem e reforçam as desigualdades. Além da interseccionalidade entre raça e classe, há desigualdades ocasionadas por questões de gênero e de diferenças. “As desigualdades se sobrepõem. A reprovação dos alunos com deficiência é maior”, exemplifica.

Neste rastro histórico traçado por ela, Maria Helena aponta que é preciso combater a “cultura do fracasso escolar” que, segundo ela, atualiza fenômenos de reprovação, distorção idade-série e evasão. “Apesar dos avanços, ainda temos complexos desafios de acesso e permanência. Não podemos pensar a questão da inclusão sem ter esse cenário e constatação de que o acesso é diferente”, pondera.

A meta número 4 do PNE (Plano Nacional de Educação) fala sobre universalizar o acesso à educação básica e ao ensino especializado para pessoas de 4 a 17 anos, preferencialmente na rede regular de ensino. Para Maria Helena, esta meta ainda não foi alcançada.

E como enfrentar esse cenário de exclusão? Além de fazer uma busca ativa de crianças e jovens que estejam fora da escola e do fortalecimento da garantia de direitos, a educadora aponta a importância da garantia de acesso à internet.

Caminho para reduzir as desigualdades educacionais

Juliana Amorina, diretora do Instituto ABCD, que também participou da Bett Brasil, reforçou que com alunos diferentes é necessário que as estratégias pedagógicas também sejam. Em outras palavras, não se pode aplicar o mesmo método ou ferramenta para todos os alunos, sem levar em consideração suas diferenças.

Em relação a alunos com deficiência, Juliana usou uma ilustração para explicar seu ponto de vista. Ao chegar à escola, um estudante com cadeira de rodas vê o zelador remover a neve das escadas. Com isso, ele pede que primeiro remova a neve da rampa, para que ele consiga acessar a escola, ao passo que o zelador responde que muitos estudantes estão esperando para subir as escadas e, por isso, precisa remover a neve de lá primeiro.

O aluno cadeirante contra argumenta que, ao limpar a neve da rampa, tanto ele quanto os alunos que se locomovem sem o uso de cadeira de rodas, poderão subir da mesma forma.

A ilustração explica uma lógica simples, mas muito valiosa: Ao eliminar possíveis obstáculos para as pessoas com deficiência, todos se beneficiam. “[É pensar em] propostas pedagógicas que atendam a todos, depois não vamos precisar fazer adaptações”, afirma.

Apesar deste exemplo estar relacionado a pessoas com deficiência, é possível compreendê-lo a partir de muitas outras dimensões. Tais obstáculos que a educação inclusiva visa romper estão presentes ao observar raça e gênero, por exemplo. Para usar a mesma analogia de Juliana, é como se houvesse neve na rampa de quem é preto, de quem é indígena ou de quem possui um marcador social relacionado à classe.

Para saber mais e aplicar

Guia do Educador Inclusivo 

Desenvolvido a partir de rodas de conversas com equipes escolares, mães e pais de alunos com e sem deficiência de escolas públicas de Ribeirão Preto (SP), o material propõe caminhos para entender o que é inclusão, como preparar atividades pedagógicas para todos, além de oferecer recomendações para acessibilidade, reflexões sobre a legislação brasileira e os direitos de estudantes com deficiência, entre outros temas. A metodologia é assinada pelo Instituto Amankay.

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira / Marina Lopes

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