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Educação inclusiva é assunto para todas as etapas de formação de professores

Nesta primeira reportagem da série "Desafios da Educação Inclusiva", um debate sobre formação docente e a escola que deve acolher incondicionalmente

A educação inclusiva exerce um papel fundamental ao olhar as diferenças e reuni-las no chão da escola. Uma pesquisa conduzida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), de 2018, mostrou que saber como incluir estudantes com deficiência nas aulas é uma das principais necessidades para a formação de professores. No caso do Brasil, 58,4% dos educadores que atuam no  ensino fundamental participantes da pesquisa destacaram ser essa uma grande preocupação.

O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 diz o seguinte: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

O documento, um dos pilares da democracia brasileira, ressalta que a educação é, em primeiro lugar um direito, estendido a todas e todos. A educação inclusiva, portanto, não está excluída do pacote.

“A educação inclusiva é um paradigma educacional que se refere a todas as pessoas. Tem a ver com o direito incondicional de todos os alunos considerados com ou sem deficiência, transtornos do espectro do autista ou altas habilidades, acessarem a escola, seus conteúdos, aprender e se desenvolver na escola comum”, diz José Eduardo Lanuti, professor do programa de pós-graduação em educação da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), em Três Lagoas.

Ou seja, a educação inclusiva diz respeito a todos, e, por isso, não há uma formação específica. No entanto, esse tema precisa ser abordado em todas as etapas da carreira docente, da formação inicial às continuadas.

Contudo, tal prática ainda não é recorrente. Ela implica, de acordo com José Eduardo, com uma nova configuração de escola, que tenha novas concepções e práticas de ensino e avaliação. Trata-se de repensar a formação dos professores, de maneira geral, para que as demandas surgidas da educação inclusiva sejam também abarcadas, sem distinção.

Há peculiaridades que devem ser consideradas. “Dentro dessa perspectiva inclusiva, há a educação especial, que é uma modalidade destinada a um público específico, que são as pessoas consideradas com deficiência, autismo e altas habilidades. E para esse público, quando eles enfrentam alguma barreira, há a modalidade AEE (Atendimento Educacional Especializado). Para desenvolver este trabalho, os professores precisam fazer um curso de  identificação dessas barreiras, com recursos e serviços de acessibilidade que promovam sua eliminação”, explica o professor.

Camila Camargo Diniz Fonte, professora do ensino infantil na Escola Municipal Escola Municipal Professor Hélio Jorge dos Santos, em Rio Claro (SP), atua diretamente com educação especial, desde o estágio. Muito afeita ao tema, escolheu uma universidade onde houvesse na grade curricular um olhar mais cuidadoso para a educação inclusiva – algo pouco comum em 2004, ela conta.

“O que compreendo por educação inclusiva é não se limitar apenas às pessoas que necessitam de alguma adaptação ou que tenham alguma necessidade educativa especial. Considero a diversidade, e por isso vejo a educação inclusiva como uma educação para todos, independentemente da necessidade dos estudantes. Alguns precisarão de recursos físicos, outros humanos, outros apenas de dicas verbais. A educação inclusiva precisa ser vista como uma necessidade geral e não apenas específica”, destaca a docente.

Toda a trajetória acadêmica de Camila traz a preocupação com a inclusão. Ela fez pós-graduação em neuropsicologia infantil e neurologia aplicada e um segundo curso em psicopedagogia clínica e escolar, mantendo o objetivo de aperfeiçoar a prática dentro da sala de aula.

Como destacou José Eduardo, a não ser na educação especial, não há uma formação específica para quem deseja atuar com educação inclusiva, partindo do olhar de que a escola é um espaço que não deve segregar e que o ensino deve ser o mesmo a todos e todas. O que existe é a necessidade de que os professores estejam, acima de tudo, abertos a compreender e agregar as diferenças.

O que esperar dos docentes?

Na busca por praticar ações inclusivas, por vezes, muitas escolas acabam estereotipando os alunos e isso nada contribui com formas de inclusão. José Eduardo reflete que a postura esperada de professores, coordenadores e outros atores da comunidade escolar é a de não preconceber um único modelo de aluno.

“Todos os problemas que envolvem a educação inclusiva hoje têm a ver com uma questão de fundo que é a idealização de um modelo de aluno. É a partir desse modelo que os currículos são elaborados, que habilidades de competência são imaginadas pelos sistemas de ensino, que os sistemas de avaliação externa organizam seus instrumentos de verificação da aprendizagem. Tudo resulta no entendimento de que alguns alunos são capazes de aprender nas escolas e que outros são diferentes, incapazes, inaptos e que, portanto, não conseguem acompanhar os demais. Aí que se cria a ideia de um aluno especial”, explica.

Camila comenta que tem uma preocupação em integrar diferentes atores para garantir que a inclusão em suas aulas de fato ocorra. Ela convida, por exemplo, outros professores, a gestão e até mesmo a família para se envolverem no processo.

As dimensões da aprendizagem corroboram com a prática da docente ao unir áreas como as citadas pela professora e políticas públicas, estratégias pedagógicas e outras parcerias. Essas dimensões são abordadas no e-book “Educação inclusiva na prática”, lançado pela Editora Moderna.

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“As áreas de interseção entre as dimensões indicam a interdependência entre elas e são permeadas por temas transversais, como currículo, formação de educadores, infraestrutura, acessibilidade, tecnologia assistiva etc.”, escreve Rodrigo Mendes, fundador do instituto que leva seu nome, referência nacional em inclusão.

“Temos observado que projetos educacionais inclusivos se tornam consistentes e sustentáveis somente por meio de ações contínuas relacionadas a cada uma das cinco dimensões abordadas anteriormente. Em segundo, entendemos que a aprendizagem deve ser perseguida de forma ampla, envolvendo os estudantes, os educadores e os demais atores da comunidade escolar”, afirma, em um dos capítulos do livro.

Desafios a serem enfrentados 

O professor de matemática Izaquiel Teixeira Marques, de Quixeramobim (CE), por vezes se sentia angustiado ao não ver alunos integrados a um processo mais acessível. “Eu me sentia limitado. Quando a preparação precisava de mais tempo para repensar a performance na sala de aula, a autocobrança por aulas inclusivas era desgastante. Via alguns alunos não se sentirem integrados a um processo mais acessível e isso fazia com que eu acreditasse nessa limitação”, conta. “O ensino e a aprendizagem de matemática eram muito criticados, um ‘não entendi nada’ é algo que não se podia ignorar, mas precisava ser solucionado”, afirma o docente.

Izaquiel participou da formação continuada “Materiais Pedagógicos Acessíveis”, promovida pelo Instituto Rodrigo Mendes, a fim de expandir sua prática em sala de aula. Para ele, ter acesso a esse tipo de especialização permite uma reflexão sobre possibilidades de ensino e uso de tecnologias digitais acessíveis.

Um grande desafio, diz o professor, é saber como se preparar para antever situações que precisam de acessibilidade e que, na falta de estratégias, podem tornar a experiência de aula desmotivante aos alunos.

Camila, por outro lado, entende que uma das principais questões neste campo acaba sendo de outra ordem. De sua experiência, ela comenta que os entraves se dão mais na burocracia e na falta de recursos pedagógicos – principalmente no caso dela, que trabalha com educação especial.

E cada contexto, de fato, dita que tipos de dificuldades os professores podem enfrentar para lecionar na área. Para José Eduardo, um dos grandes entraves ainda está na compreensão que as escolas têm sobre as diferenças. Ele aponta que, ao focar na diversidade (que ele compreende como a classificação entre alunos a partir de uma comparação de um modelo), os indivíduos sempre acabam interpretando determinados estudantes como capazes ou não.

“E isso é o maior desafio: entender que a diferença está em cada um de nós e trabalhar com a singularidade de cada aluno, convoca os professores a um repensar constante no seu trabalho, não para um determinado grupo, mas para todos. Enquanto não entendermos a diferença humana e as suas potencialidades – inclusive para pensarmos numa escola aberta a essa diferença –, nós não chegaremos ao mote da educação inclusiva que é essa escola que acolhe incondicionalmente”, reforça.

Clique aqui para conferir a entrevista com o professor José Eduardo Lanuti.

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira

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