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Do que precisamos para uma pedagogia centrada nos estudantes?

Escolas que desejam criar uma cultura pedagógica voltada aos alunos precisam fornecer um plano de suporte aos professores. E a responsabilidade para que essa transformação ocorra recai principalmente sobre os diretores, atores de maior impacto para o sucesso escolar

Lá por volta da década de 1990, quando eu ainda era um adolescente, lembro-me bem de que tínhamos uma estima e um respeito muito grande pelos professores e professoras que demonstravam um vasto conhecimento da disciplina que ensinavam. Era normal que fosse assim. Eles(as) eram a nossa principal fonte de conhecimento, e dependíamos quase exclusivamente deles(as) para aprendermos. Portanto, era natural que houvesse uma razão de darmos tanto valor ao conhecimento que elas demonstravam ter. Afinal, o conhecimento da disciplina era a maior preciosidade que procurávamos ganhar deles(as).

Isso não era tudo, claro. Ter senso de humor, uma oratória envolvente e estimulante, organização, um quadro bonito e explicação clara completavam o pacote de satisfação da turma. Naquele contexto, a aula se transformava em um teatro encantado de aprendizagem de conteúdo. O quadro era o palco. E nós, estudantes, ficávamos sentados na sala-de-aula-teatro, admirando o show de demonstração de conhecimento e habilidade deles (dos professores e das professoras).

Quando me tornei professor de fwísica do ensino médio na década de 1990, era esse o modelo pedagógico que eu precisava aprender a colocar em prática: estudar muito e engajar a turma. Entretanto, nesse contexto, onde nós professores(as) concentramos em nós tudo o que há de interessante e útil a se aprender, nós nos tornamos reféns de uma pedagogia centrada em nós, professores(as). Isto é, uma pedagogia que exige quase exclusivamente de nós uma série de conhecimentos e habilidades, enquanto os estudantes permanecem passivos nas aulas.

Nesta pedagogia, os professores são responsáveis, quase exclusivamente, por aquilo que os alunos deveriam estar fazendo: explicando, planejando, desenhando e construindo argumentos. Isso não faz muito sentido. É como se um(a) personal trainer, em vez de apenas lhe orientar o que fazer na academia, fizesse todo o exercício por você, enquanto você apenas observa-o(a). Nas aulas centradas no(a) professor(a), os objetivos de aprendizagem se tornam limitados àquilo que se pode aprender individualmente, e normalmente a aprendizagem que interessa se resume ao conteúdo programático da disciplina.

Independentemente do tempo de sala de aula, não acredito que aulas centradas no(a) professor(a) consigam oferecer a riqueza de aprendizagem que pedagogias centradas nos estudantes são capazes. Estas últimas modificam completamente a dinâmica de aprendizado, pois as expectativas de quem deve fazer, explicar e debater são, em grande medida, transferidas do(a) professor(a) para os estudantes. Essa pedagogia não pretende desmerecer a importância da fala e do exemplo que o(a) professor(a) pode oferecer, mas entende que isso não é suficiente.

Pedagogias centradas nos estudantes permitem objetivos de aprendizagem mais amplos e complexos. A principal característica dessas pedagogias é que os estudantes podem aprender em grupo, conversando, debatendo, argumentando, compartilhando com seus pares e com o(a) professor(a) a forma como compreende aquilo que se está estudando.

Talvez o maior dos desafios de se utilizar essa pedagogia é a de se construir material didático que permita que os estudantes aprendam de forma mais independente do(a) professor(a). Esse material servirá aos estudantes como o que Jerome Bruner chamou de scaffolding – termo em inglês que significa “andaime” e que designa um suporte temporário oferecido para o(a) estudante, sem o qual não conseguiria atingir os objetivos de aprendizagem. Professores não deveriam esperar que os estudantes possam, sozinhos, trocar ideais entre eles(as) e construir conhecimento coletivamente sem o devido scaffolding.

Mas, para que os(as) estudantes trabalhem sozinhos, precisamos pensar em materiais didáticos como pequenos textos que possam ser lidos em poucos minutos pelos estudantes e que sirvam de base para discussão. Vídeos, figuras, podcasts, gráficos, diagramas também são materiais comumente utilizados como scaffolding. E uma vez que os estudantes têm a chance de discutir o material, é novamente importante que o(a) professor(a) volte a dialogar com os estudantes, para verificar o que eles conseguiram avançar, contribuir com a discussão, e pensar em novas atividades independentes.

Um outro grande desafio para se conseguir implementar uma pedagogia assim é de se criar uma cultura de suporte para que os(as) professores(as) consigam ter tempo para criar esse material, utilizá-los e receberem feedback (retorno avaliativo) de colegas para realizarem uma reflexão crítica de suas práticas pedagógicas e, assim, decidir o que podem fazer para melhorar seu trabalho. Sem tal suporte, o desafio se torna colossal e não é difícil que se desista de uma tarefa tão gigantesca. Portanto, escolas que desejam criar uma cultura pedagógica como essa precisam fornecer um plano de suporte aos professores, em vez de esperar que essa transformação ocorra de forma espontânea e solitária.

A responsabilidade para que essa transformação ocorra recai principalmente sobre os diretores das escolas. Pesquisas apontam que os diretores das escolas são os atores de maior impacto para o sucesso escolar. Eles devem ocupar o espaço de liderança, para inspirar, motivar e fornecer cursos de formação continuada para os(as) professores(as), construir um ambiente escolar (ethos) de colaboração, cooperação, para que a escola cresça como um organismo único. Os diretores, para serem grandes líderes, precisam ser amigos críticos dos professores.

Uma pedagogia centrada nos estudantes exige que os professores tenham treinamento e suporte constante para desenvolverem suas habilidades para gestão de sala de aula. Gosto muito do que disse Paulo Freire: não precisamos de professores(as) autoritários, mas professores que tenham autoridade. E esta autoridade se conquista por meio, também, da demonstração de que o(a) professor(a) sabe construir um ambiente de sala-de-aula saudável e estimulante.

Mais uma vez, cabe aos diretores a tarefa de transformar a escola num espaço de aprendizagem seguro, livre de bullying, que permita que estudantes compartilhem o que pensam com seus pares e com os(as) professores(as) com a certeza de que terão suporte e não sofrerão qualquer tipo de humilhação. Isso porque a construção de um ethos voltado para o respeito mútuo, que valorize profundamente a aprendizagem e não tolere que estudantes tenham medo de se expressar, jamais será conquistado sem que toda a escola esteja ciente dos objetivos e técnicas necessárias para atingir esse objetivo. E cabe aos líderes reunir as condições materiais e humanas para que isso aconteça.

Arthur Galamba - Arthur ensinou física em escolas secundárias no Brasil por mais de 12 anos e obteve um mestrado em Psicologia Cognitiva antes de se mudar para o Reino Unido para obter seu PhD em educação de ciências. Ele trabalhou para o Programa?Teach?First?na Canterbury?Christ?Church?University?e agora?lecturer?de ciências no programa PGCE do?King’s?College?London. Atualmente, é Diretor dos programas do PGCE de Física e vice-diretor do?King’s?Brazil?Institute. Arthur também é diretor do STEM?Education?Hub, um projeto?decolonial?executado em parceria entre a KCL e o?British?Council?Brasil, que busca criar e apoiar oportunidades de colaboração entre educadores do Reino Unido e do Brasil. Um dos principais objetivos do?Hub?é apoiar professores de escolas no Brasil e no Reino Unido para entender e usar as descobertas dos pesquisadores em suas aulas.

Fonte: Portal Porvir - Arthur Galamba 

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