Cooperação entre professores potencializa educação inclusiva
Estimular a relação e troca de experiências entre professores de AEE (Atendimento Educacional Especializado) e professores regulares é uma maneira de efetivar uma educação mais inclusiva
O termo cooperação remete a uma parceria entre indivíduos que têm um objetivo comum e trabalham juntos por ele. Quando se observam os propósitos da educação inclusiva, que busca garantir que todas as pessoas recebam educação independentemente de estarem ou não com deficiências, encontrar formas de aprender com outros atores do campo educacional é caminho que traz benefícios e deve ser seguido.
“Nossa habilidade de aprender com os exemplos dos outros é o motivo pelo qual nós, seres humanos, temos sobrevivido tão bem neste planeta”, escreveu Fernando Reimers, diretor do Programa Internacional de Políticas Educacionais da Universidade de Harvard, no prefácio do e-book “Educação inclusiva na prática”. A habilidade a qual ele se refere também possibilita que as pessoas troquem experiências e contribuam de forma significativa com os trabalhos e práticas umas das outras.
No caso da educação inclusiva, professores do ensino regular podem aprender com os profissionais de AEE (Atendimento Educacional Especializado) e vice-versa. Para Néllik Annie da Silva, que é professora de AEE na Escola Municipal de Educação Básica Hilda Granemann de Sousa, em Caçador (SC), a partir do momento em que identifica as diferentes necessidades dos estudantes, procura, junto com a professora de ensino regular, encontrar estratégias nas quais todos os alunos possam desenvolver as atividades de maneira global. “Cada um com sua especificidade, sem rotular ou excluir os que necessitam de suporte maior. Desta forma todos aprendem e a inclusão de fato acontece“, pontua.
Não há razão para que os docentes precisem trabalhar de maneira separada, cada um seguindo seu próprio “protocolo”. A professora Valdineia Veloso, professora de AEE na Creche Ladeira dos Funcionários, no Rio de Janeiro (RJ), ressalta que ainda há empecilhos que dificultam a aprendizagem das crianças com deficiência: a atitude de alguns docentes, adultos ou da própria escola.
Ela aponta que um desses empecilhos se dá quando esses atores escolares olham apenas para as deficiências das crianças, adaptando de forma equivocada uma atividade para algo “mais fácil”, enquanto o restante da turma está produzindo uma atividade comum a todos. “Acredito que com a minha prática posso mostrar aos outros professores que todas as crianças aprendem e se desenvolvem, e que as deficiências não as definem”, comenta Valdineia.
O que diz a lei
A PNEEI (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva), lançada pelo Ministério da Educação em 2008, estabelece:
“O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no AEE diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos estudantes com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.”
Ainda em 2008, foi promulgado o Decreto 6.571 (substituído pelo Decreto 7.611/11), que estabelece as diretrizes do AEE e reitera o estabelecido pela PNNEI. Saiba mais neste artigo do Portal Diversa.
Parceria fundamental
Esse olhar de alguém especializado pode servir de suporte para a prática de quem está no ensino regular. É importante lembrar que a educação inclusiva está posta não apenas para os profissionais de AEE, como para todos os demais integrantes das escolas.
Claucia Comerlato, coordenadora de educação especial na Secretaria de Educação de Caçador (SC), destaca que nessa via de mão dupla, os professores regulares precisam estar atentos e reconhecer as habilidades e conhecimentos que os professores de AEE possuem, principalmente quando é preciso lidar com desafios específicos relacionados a deficiências, transtornos do espectro autista, altas habilidades ou superdotação, entre outros, que podem afetar a aprendizagem dos estudantes.
“Os professores regulares devem reconhecer que os professores de AEE são parceiros valiosos no processo educacional e que trabalhar em conjunto pode ser muito benéfico para os alunos com necessidades especiais”, afirma.
Da mesma forma, destaca, os professores de AEE também têm muito o que aprender com os professores regulares, que estão dotados de outros conhecimentos específicos sobre estratégias e conteúdos que podem ser adaptados. Além disso, os professores regulares também são experientes em outras questões como gestão da sala de aula, planejamento e avaliação, por exemplo.
“Os professores de AEE devem reconhecer que os professores regulares são peças fundamentais para a construção de um ambiente inclusivo e acolhedor, que possa atender às necessidades de todos os alunos. Trabalhando em conjunto, ambos os profissionais podem colaborar para a criação de um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e acessível para todos os alunos”, comenta a coordenadora.
A professora Valdineia também aponta que ainda há uma visão errônea sobre a figura do profissional de AEE na sala de aula. “Muitas vezes esse profissional entra para dar reforço e não para oferecer acessibilidade para os alunos que não estão acessando [o conteúdo]”. Para ela, apesar de ambos terem funções diferentes, elas são complementares e não excludentes.
Ela também atribui esse cenário a um desconhecimento em relação às leis e à prática docente do atendimento educacional especializado. “Se interpreta de forma errônea tudo o que é dito na legislação da educação inclusiva. As leis e orientações da política de 2008 não apresentam a educação inclusiva como substituta do ensino comum, pelo contrário, a apresentam como um serviço para eliminar barreiras, para que crianças, jovens e adultos possam acessar o currículo oferecido pela escola”, afirma.
Nélik também destaca que essa dificuldade em encontrar pessoas dispostas a se envolver com a educação inclusiva, compreendendo as especificidades de cada área, aos poucos vai diminuindo. Isto porque, segundo ela, com o aumento no número de diagnósticos de pessoas com alguma deficiência ou transtorno, os profissionais acabarão sendo “obrigados a sair de suas zonas de conforto” para que a educação seja de fato ofertada.
Estratégia e coordenação
Essa colaboração deve também ser coberta de intencionalidade. Maíra de Oliveira, profissional de educação especial, relata que a presença do profissional de AEE deve ser prevista desde o início do planejamento, em um movimento que vá além da empatia e veja o profissional diretamente inserido em todas as ações da escola, como conselhos de classe, por exemplo.
“Sob o ponto de vista escolar, ‘dar conta’ do aluno perpassa por todo o colegiado”, pontua Maíra. Nesse sentido, a educadora afirma que os professores de AEE precisam, de fato, compor todo o processo de planejamento e organização das atividades, sem que fiquem de fora ou sejam privilegiados.
Para ela, a atuação colaborativa, dentro da perspectiva do ensino regular, é o que pode culminar no sucesso da inclusão.
Entre as estratégias que podem ser adotadas pela coordenação para integrar professores regulares e professores de AEE, a coordenadora Claucia Comerlato pontua a integração de estratégias de ensino diferenciadas e a avaliação e monitoramento conjunto dos alunos como dois elementos importantes.
No caso da integração, a docente afirma que professores regulares identificam as melhores estratégias para seus conteúdos, enquanto os de AEE podem contribuir indicando estratégias específicas de ensino. Já em relação ao monitoramento e avaliação, a professora afirma que devem ser feitos de forma conjunta, assim poderão identificar se estão atingindo ou não seus objetivos e metas, além de ser possível observar a necessidade de outras adaptações nos conteúdos.
De acordo com Claucia, adotar algumas estratégias apoiam as coordenações a garantir que professores de AEE e os professores regulares estejam trabalhando juntos de forma eficaz e justa, sem privilegiar um em detrimento do outro. “O objetivo final é garantir que os alunos com necessidades especiais recebam a atenção e o suporte que precisam para ter sucesso na escola”, afirma.
Confira algumas sugestões da educadora para melhorar a integração:
Estabelecer metas comuns: O primeiro passo é garantir que os professores de AEE e os professores regulares estejam trabalhando juntos em direção a metas comuns. Isso pode envolver a criação de objetivos compartilhados para os alunos com necessidades especiais e a colaboração em planos de ação específicos para alcançar esses objetivos.
Incentivar a comunicação aberta e transparente: As coordenações devem encorajar uma cultura de comunicação aberta e transparente entre os professores de AEE e os professores regulares. Isso pode ser feito por meio de reuniões regulares, troca de e-mails, ou até mesmo por um grupo no aplicativo de mensagens instantâneas. A ideia é garantir que todos estejam cientes do que está acontecendo com os alunos e que possam contribuir com sugestões e soluções.
Respeitar o conhecimento e as habilidades de cada um: É importante que as coordenações valorizem o conhecimento e as habilidades dos professores de AEE e dos professores regulares, reconhecendo a importância de cada um para o sucesso dos alunos. Os professores de AEE têm conhecimentos específicos em relação às necessidades especiais dos alunos e podem fornecer orientações úteis aos professores regulares, enquanto os professores regulares têm conhecimento da matéria e podem ajudar a adaptar as atividades para alunos com necessidades especiais.
Oferecer formação conjunta: As coordenações podem organizar formação conjunta para os professores de AEE e os professores regulares, abordando temas como inclusão, adaptação de atividades e estratégias para lidar com necessidades especiais. Isso pode ajudar a promover uma compreensão mútua e a construir uma base comum de conhecimento e habilidades.
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira