Computação criativa promove engajamento e aprendizados curriculares
Quando desenvolvidas com intencionalidade e como parte de um projeto, atividades envolvendo programação e pensamento computacional promovem múltiplas conquistas e desenvolvimento aos estudantes
Como promover a aprendizagem de estudantes em diferentes níveis e estágios de desenvolvimento em uma mesma sala de aula? É possível propor atividades que combinem conteúdos curriculares e acolham as necessidades emocionais dos alunos? A computação criativa mostra que sim.
A professora Elaine Sobreira, doutoranda em educação pela Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em computação criativa na RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), explica que essa abordagem favorece o pensamento computacional, pois busca formar indivíduos capazes de usar conceitos computacionais em diferentes contextos, indo além do desenvolvimento de habilidades para resolução de problemas.
“A computação criativa apoia o desenvolvimento de conexões pessoais com o computador, estimulando a criatividade, a imaginação e os interesses pessoais, ampliando, assim, as possibilidades criativas, além de oferecer oportunidades para que as pessoas possam se envolver e construir novos recursos ou comunicar suas ideias fazendo uso dos recursos digitais”, afirma.
A educadora fala sobre a importância de integrar o ensino dos códigos dentro de um todo, fazendo um paralelo com atividades de leitura de livros diversos e escritas textuais quando crianças estão aprendendo a ler e a escrever. “Valorizamos muito o despertar da curiosidade, o envolvimento dos estudantes por meio de propostas que possam engajar, que façam sentido e que sejam, ao mesmo tempo, significativas. A ideia de se comunicar ou construir algo com códigos computacionais pode ser muito divertida e despertar o engajamento dos estudantes quando a ação faz parte de algum projeto que conta com o envolvimento dos alunos.”
Atividades que tenham forte conexão com os interesses dos alunos contribuem para que a criatividade permeie o processo de aprendizagem. Para Elaine, quando educadores envolvem crianças e jovens em práticas de computação criativa, desenvolvem habilidades de pensar e agir inovadoras, favorecendo a expressão pessoal e a formação de pensadores criativos.
Propostas abrangentes
É por conta de propostas que vão além do pensamento computacional e trabalham a computação criativa que os estudantes conseguem desenvolver inúmeras habilidades. A atividade criada por Patrícia Auerbach, por exemplo, trabalha a leitura, escrita, escuta, oralidade, produção de textos e análise linguística.
Formadora de professores e pedagoga com mestrado em desenvolvimento humano e educação pela Harvard Graduate School of Education, ela é responsável pela atividade Criando histórias com Scratch a partir de livros imagem da coleção Objetos Brincantes, na qual alunos do 1º ao 5º anos são convidados a criar e compartilhar suas versões para os livros-imagem “O Jornal”, “O Lenço e A Garrafa”, de autoria de Patrícia.
Os muitos espaços em branco nas obras se justificam: Patrícia quer incentivar que crianças se sintam livres para criar suas narrativas a partir da história inicial do livro, com o uso do Scratch para inserir ilustrações, textos, imagens e sons. Um dos principais objetivos do projeto é apoiar educadores que, depois da pandemia, passaram a contar, em uma mesma sala de aula, com estudantes em diferentes etapas da alfabetização.
“Para quem já entendeu o código e está usando a palavra escrita, pode fazer isso dentro de seus projetos de uma forma mais complexa. Para quem ainda está começando, pode usar uma palavra ou outra ou nenhuma, só imagens e a palavra oral para construir as narrativas. Acho que essa é a potência desse projeto: colocar todo mundo no mesmo barco. Alunos em diferentes estágios de alfabetização, de aprendizado e de maturidade conseguem construir projetos dos quais se orgulham”, explica.
Patrícia reforça: iniciativas que fazem sentido e engajam as crianças e jovens são muito importantes, sobretudo em um momento em que as frustrações se acumulam principalmente para estudantes que estão com mais dificuldades, e não conseguiram desenvolver as habilidades do conteúdo programático ou que ficaram realmente afastados da escola durante a pandemia.
“Esse projeto é uma ferramenta poderosa para lidar com essa diversidade dentro da sala de aula. Acolher isso ajuda não só no desenvolvimento cognitivo, no aprendizado propriamente dito, mas também nas questões emocionais e individuais que precisam ser tratadas, faladas e discutidas.”
Além disso, a atividade combina um objetivo pedagógico com o uso da computação criativa com intencionalidade. “A computação pela computação perde o sentido. A lógica computacional sendo usada a serviço da criatividade e da imaginação potencializa as linguagens presentes na literatura e o desenvolvimento do pensamento computacional, porque quando você tem um objetivo ou um projeto que quer realizar, isso dá ao aluno o engajamento necessário e a motivação para vencer os desafios que se apresentam, para encontrar soluções e caminhos.”
Gêneros textuais e programação
Engana-se quem pensa que programação pode ser trabalhada apenas com computadores e equipamentos em prol de aprendizados que envolvem tecnologia. Jéssica Nazar, integrante do Núcleo da RBAC no Grande ABC, em São Paulo, e professora de apoio a projetos pedagógicos em tecnologia (PAPP-TEC), misturou produção de texto e sequenciamento de ideias, duas grandes dificuldades de seus alunos, a partir de atividades que envolvem a computação criativa.
Jéssica optou por começar com uma atividade desplugada, e utilizou a proposta Minha História em Blocos. As crianças criaram, em parceria, narrativas que seriam programadas no Scratch e, ao longo do caminho, puderam refletir sobre elementos que deveriam estar presentes no enredo da história de acordo com o gênero textual contos de assombração, além de pensar nas características físicas e contextos de vida dos personagens principais.
“As propostas desplugadas permitem que a criança possa experienciar as situações de forma mais dinâmica e reflexiva. Nas experiências desconectadas, há um espaço de discussão enriquecedor, já que o aluno pode vivenciar na prática determinados conceitos que até então eram vistos como abstratos a ele. Há um processo de entendimento sobre a importância do sequenciamento de ideias numa programação e também na produção textual. Isto faz com que o aprendizado tenha uma significância maior”, explica Jéssica.
Para trabalhar outro gênero textual, a educadora se inspirou na atividade de Patrícia Auerbach, Criando histórias com Scratch a partir de livros imagem da coleção Objetos Brincantes. Jessica usou os livros como disparadores e, depois de rodas de conversa, as crianças, em vez de criarem uma narrativa do zero, teriam de escolher no estúdio uma cena e recriar o universo dos livros, imaginando-se dentro do enredo.
Essas experiências deram origem à atividade Unindo a programação à literatura, criada por Jéssica a partir de queixas das professoras regentes sobre a dificuldade dos estudantes com produção textual. “Após discussões e pesquisas, propus a eles as atividades desplugadas e a programação no Scratch como ferramentas que poderiam contribuir para o que já seria realizado em sala de aula. Houve uma troca de ideias para chegarmos ao que foi realizado”, explica a educadora, reforçando a importância do desenvolvimento das propostas em parceria.
O poder de atividades desplugadas
Assim como Jéssica, as professoras Simone de Souza, PAPP-TEC de São Bernardo do Campo (SP) e Kelly Ramos, professora do ensino fundamental 1, também notaram os benefícios das atividades desplugadas.
A dupla conseguiu usar a computação criativa para trabalhar duas grandes questões dos estudantes na volta às aulas: dificuldade motora e lateralidade com a criação da atividade sequenciada. Em razão da pandemia, as turmas estavam impossibilitadas de usar ambientes da escola como o espaço maker e laboratório de informática, o que demandou o desenvolvimento de uma atividade desplugada, que, na realidade, acabou sendo de grande aprendizado para os estudantes.
“Observamos que o trabalho com programação ainda é muito abstrato para as crianças menores, mas utilizar o corpo e o lúdico foi uma excelente estratégia. Posteriormente, quando iniciamos as atividades de programação por blocos no computador, notamos que a compreensão e a resposta das crianças foi muito mais rápida se comparada a anos anteriores onde não havíamos começado com a desplugada”, explicam Simone e Kelly.
A atividade consistia em tabuleiro gigante no qual os próprios alunos deveriam se movimentar para representar as ordens da programação. Eles utilizavam setas e emojis e, enquanto um aluno era o programador, o outro era o ‘programado’, e teria, então, que caminhar pelo percurso da programação montada pelo colega. “Os alunos puderam aprender na prática sobre localização, lateralidade e, dentro dos pilares do pensamento computacional, puderam exercitar a decomposição, a padronização, a abstração e o algoritmo.”
Conforme os estudantes foram evoluindo em seus conhecimentos e compreensões, as educadoras adicionaram novos elementos na atividade, como o bloco ‘loop’ para substituir uma sequência de setas repetidas na mesma direção, o que mostrou aos estudantes como alguns blocos facilitam a programação. As propostas para os quartos e quintos anos também abrangeram parceria e colaboração. Cada grupo deveria realizar a programação do contorno de uma forma geométrica usando apenas setas direcionais. Os alunos passavam por um revezamento, ou seja, cada um precisava observar o que já havia sido feito e continuar a programação.
Parcerias
As atividades das educadoras Jéssica, Simone e Kelly têm algo em comum além de envolver computação criativa, que é o desenvolvimento das propostas em parceria com as professoras regentes. No município de São Bernardo do Campo, o professor de apoio a projetos pedagógicos em tecnologia (PAPP-TEC) tem como uma de suas atribuições integrar as tecnologias ao currículo escolar junto ao professor da turma.
Para Jéssica, atuar colaborativamente enriquece o trabalho pedagógico, pois, ao mesmo tempo em que professores regentes têm projetos de acordo com o PPP (projeto político-pedagógico) da escola, há atividades do PAPP TEC com foco em aprendizagem criativa, robótica e outros temas de interesse. “Em ambas situações, todos precisam planejar com antecedência buscando a parceria, que ocorre numa via de mão dupla. Ou seja, nenhum dos dois lados deve caminhar sozinho.”
Simone e Kelly, por sua vez, pontuam que apesar de as atividades terem sido desenvolvidas por elas, educadoras PAPP-TEC, as aulas contaram com apoio das professoras das turmas, que puderam conhecer um pouco mais sobre o universo da programação, além de participar ativamente das atividade com as crianças. “Em seguida, elas nos deram um retorno positivo das aprendizagens construídas e apresentadas pelas crianças em sala de aula.”
Fonte: Portal Porvir - Maria Victória Oliveira