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Como desenvolver uma boa aula para explorar o território?

Direto da Aldeia Umutina, no Mato Grosso, a professora indígena Eliane Boroponepa lista os principais pontos para levar os alunos a campo e registrar a experiência extraclasse

Uma aula interessante não acontece apenas dentro de uma sala tradicional, com lousa e carteiras. Tampouco deve ser limitada aos espaços cercados pelos muros da escola. A cidade e o território têm muito a ensinar: levar a turma para parques, praças e passeios diversos torna a aprendizagem ainda mais significativa e interessante.

Homenageada na exposição “Encontro com o Porvir: trajetória de educadores que transformam o presente e constroem o futuro”, a professora Eliane Boroponepa, da Escola Estadual Indígena Jula Paré, localizada no território Balatiponé-Umutina (município de Barra do Bugres, no Mato Grosso) desenvolveu aulas de campo que podem ser adaptadas a diferentes contextos. A proposta era apresentar a comunidade e os saberes locais aos alunos e promover o sentido de pertencimento à identidade étnica dos estudantes.

Formada em ciências sociais, Eliane atualmente é gestora da escola, mas já atuou como professora de história, geografia, sociologia e filosofia. Vem de sua experiência com os estudantes a estratégia de levar o debate para o território: em 2011, ela lançou um programa para alunos do ensino médio. Atualmente, a proposta ganhou outras dimensões e faz parte do projeto político-pedagógico. É realizada todos os anos, sempre em parceria com a comunidade escolar.

Como criar uma boa aula de campo? Quais estratégias usadas por Eliane para levar os alunos para as experiências extraclasse? Confira as sugestões que a professora compartilhou com o Porvir:

1 – Organização e logística 

O educador interessado em realizar uma aula de campo envolvendo estudantes, comunidade escolar e comunidade da localidade, deve, primeiramente, promover rodas de diálogos em sala de aula. Esses são momentos de reflexão e debate para que, com objetivos definidos, a aula de campo possa ser agendada e os alunos conheçam e interajam com a realidade local.

É importante também articular a logística para a execução de tal atividade. Isso significa organizar o transporte, os horários e a alimentação, por exemplo. Na Aldeia Umutina, o apoio de anciãos, que ensinam objetos tradicionais a serem desenvolvidos pelos alunos, é fundamental. Também há visitas aos lugares sagrados, bem como às aldeias novas. Em uma outra realidade, é possível procurar por moradores mais antigos da comunidade, para que possam dividir histórias locais com seus alunos. Como cada conversa traz uma história diferente, é sempre possível aproveitar as saídas a campo para atividades interdisciplinares.

Um roteiro bem planejado, destacando horários de saída e o tempo das atividades que serão desenvolvidas, deve ser feito previamente. É preciso garantir que todos os estudantes tenham autorização dos pais para realizar o passeio e que a coordenação tenha pleno conhecimento da atividade.

Caso o local a ser visitado não seja público, é preciso pedir autorização prévia. Professores e professoras também podem conversar com moradores da área em questão para explicar os objetivos da atividade pedagógica. Isso requer esforço e tempo, mas proporciona bons resultados tanto para quem organiza, quanto para quem vivencia.

2 – Acordos com os estudantes e com o território

Além de convidar a turma e pactuar com ela o destino escolhido, pais e comunidade escolar também podem fazer parte da atividade. No caso da Aldeia Umutina, familiares e anciãos são parte fundamental da aula.

“É pertinente repassar as orientações e informações sobre a aula de campo, o cuidado e o respeito quando se vai ao lugar, no território, ao coletar determinadas matérias primas dentro da mata, da natureza. Deve-se enfatizar que no lugar há seres visíveis e invisíveis e que tudo na natureza tem seu dono. É preciso pedir permissão e demonstrar respeito para uma interação recíproca com as pessoas”, explica Eliane.

Cumprir com os combinados relacionados aos espaços que serão visitados também é essencial. Quando alguém se propõe a realizar uma aula em campo, quanto mais coisas estiverem previstas, melhor. A organização também prepara os docentes para lidar com possíveis imprevistos e saber como contorná-los, não deixando tudo para a última hora.

3 – Articulação e parcerias com a comunidade

A escola é um espaço de promoção de atividades que trazem a comunidade para perto. Rodas de conversas, reuniões de pais, comemorações, confraternização, oficinas e aulas de campo são algumas estratégias de aproximação.

Os estudantes precisam saber transitar pelos espaços. Ir a campo é uma forma de incentivar que as pessoas pensem os seus territórios de uma maneira diferente, mais ampla e contextualizada com a realidade.

“Enquanto professora, busco parcerias com a comunidade, para trazer esse público para mais perto da unidade escolar. Atualmente, como gestora da escola, busquei interagir mais, fui conhecer os moradores locais nas respectivas aldeias onde moram os estudantes. Com o intuito de trazer movimentos da comunidade para dentro da instituição de ensino, podem ser promovidas rodas de conversas em datas comemorativas, proporcionando que a escola e a comunidade local interajam de forma cada vez mais participativa no processo de ensino aprendizagem”, explica a professora.

4 – Apoio da gestão 

O apoio da gestão escolar é imprescindível para a realização do projeto, incentivando que o aprendizado aconteça em todos os lugares. O envolvimento de mais professores na atividade também é algo interessante para que sejam desenvolvidas atividades interdisciplinares.

Experiências como essas enriquecem o processo de ensino-aprendizagem e servem de modelo e inspiração para que possam ser realizadas em distintos contextos, de acordo com cada realidade, seja no ambiente rural ou urbano.

5 – Conexão entre a aula e o currículo

É importante manter diálogo, reflexão, ação e interação com o currículo formal. Atividades extraclasse de aula são formas de quebrar as barreiras e desenvolver um olhar holístico do universo e do ambiente.

Durante uma aula de campo, os saberes se cruzam, produzindo na própria dinâmica novas experiências e trocas de conhecimento. O importante é trazer à tona objetos de conhecimento significativos, relacionando-os à sistematização do conhecimento na oralidade e, consequentemente, na escrita. Os estudantes vão construindo e reconstruindo os saberes na observação, na vivência e na experiência.

6 – Sistematização e aprendizagem 

Sair da sala de aula e não anotar ou fotografar nada durante o percurso? Isso não vale. Os professores e professoras devem pactuar previamente com a turma que a experiência deve ser registrada por eles. Gravar vídeos ou tirar fotos com o celular, fazer desenhos ou até mesmo gravar depoimentos orais são caminhos.

No retorno à classe, há então um momento de construção de relatório. A sistematização do que ocorreu durante a atividade em campo vai ser facilitada com o apoio dos materiais produzidos durante as visitas. O material reunido, inclusive, pode se tornar uma exposição ou apresentação para grupos ou para toda a comunidade escolar.

7 – Ousadia e humildade

Para a professora Eliane, criar fora da sala de aula requer ousadia, coragem e humildade. Independentemente do contexto escolar, é preciso focar nestes itens.

“Ter a ousadia de encarar novas experiências, sair do casulo e ir ao lado externo exige dedicação, paciência, articulação e organização. Ter coragem para ir além, ir ao encontro de uma realidade diferente, falar com as pessoas, sensibilizar não só os estudantes, mas as pessoas que estão ao redor. A humildade para estar no mesmo patamar, de igual para igual no processo de aprendizagem; e respeito entre estudantes e todos que compõem e são participantes da aula”, sugere.

Fonte: Portal Porvir - Redação

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