Como avaliar e apoiar os estudantes a desenvolver competências socioemocionais?
Avaliações prévias contribuem para criar estratégias de apoio e de acompanhamento das questões socioemocionais ao longo de todo o ano escolar
Quando os estudantes saem de suas casas em direção à escola, carregam consigo cadernos, livros, aparelhos eletrônicos e também suas emoções. Entender como lidar com os sentimentos é cada vez mais necessário e o tema não pode ser ignorado pela escola. Realizar uma avaliação socioemocional dos estudantes é uma maneira de planejar ações voltadas à temática, inclusive na perspectiva das relações.
“É muito importante a turma se autoperceber e se entender enquanto pessoas pertencentes a um grupo”, diz a professora Paola Eugenia Pérez Cerri Tetzner, que atua nas aulas de educação socioemocional do Colégio Cônsul Carlos Renaux, em Brusque (SC).
A diversidade de cenários e histórias dos alunos faz com que cada um tenha formas diferentes de lidar com as situações interpessoais. Segundo a educadora, começar um trabalho que envolva a autopercepção garante que os estudantes possam aprender um pouco mais sobre si e, com isso, consigam se relacionar melhor.
“Uma avaliação socioemocional da turma nos permite entender e direcionar melhor as nossas ações enquanto professores, a partir dessas relações interpessoais que acontecem em sala de aula”, afirma Paola.
Uma primeira varredura sobre como os estudantes se comportam quando estão entre pares, quais são as dificuldades de relacionamento que enfrentam e quais tipo de emoções surgem ajuda a entender como eles podem reagir fora da escola em situações diversas. Monitorar esses sentimentos permite até mesmo prospectar o perfil dos cidadãos que serão no futuro.
A educadora também garante que a avaliação ajuda a entender particularidades e também comportamentos coletivos. “A criança não é a mesma quando está com os pais e quando está com os amigos”, ressalta.
Como avaliar?
O psiquiatra Celso Lopes de Souza, idealizador do Programa Semente (voltado ao desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes com aulas aplicadas por professores da própria escola), aponta como as habilidades socioemocionais possuem peso significativo na trajetória humana. Na vida escolar, quando elas são identificadas, podem impactar diretamente a aprendizagem, o engajamento e até diminuir índices como a evasão, por exemplo.
“Nos últimos anos, diminuímos nossa capacidade de cooperar, e isso está sendo refletido nas escolas. Uma pesquisa do Instituto Ame Sua Mente mostrou que sete entre dez professores vêm reparando que os alunos estão mais agressivos. A pandemia contribuiu para isso. Quando você priva um relacionamento interpessoal, você priva as competências que se desenvolvem nesse universo, você diminui possibilidades”, explica o psiquiatra. “E essa realidade precisa ser mudada com rapidez”, observa, em referência à importância das avaliações socioemocionais.
Há uma especialidade da psicologia, a psicometria, que é dedicada à elaboração de testes e avaliações que podem ser feitos de maneira personalizada. A Plataforma S, da Semente Educação, mapeia, mensura e avalia as competências socioemocionais dos estudantes, e foi construída com o apoio da psicometria. Gestores podem ter acesso a dados que são coletados por meio de perguntas feitas aos estudantes.
De acordo com a psicóloga Giuliana Violeta Vásquez Varas, consultora em psicometria e análise estatística de dados, os instrumentos psicométricos podem medir características psicológicas como aptidões, habilidades e traços de personalidade, por exemplo.
Dessa maneira, os resultados possibilitam aos educadores realizar intervenções específicas. “Depois de um tempo de implementação, a gente pode voltar a usá-los e avaliar a eficácia da intervenção tanto na turma como um todo, quanto em alunos específicos, com necessidades especiais e, com isso, desenvolver planos de apoio individualizado”, explica.
Quais são as competências socioemocionais?
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) adota um modelo intitulado “Big Five” (ou o “modelo dos cinco fatores”), que são cinco macrocompetências que se desdobram em outras 17 e descrevem características humanas. Essas macrocompetências são: amabilidade, abertura ao novo, conscienciosidade (traço de ser cuidadoso ou diligente), extroversão e neuroticismo (nível crônico de desajustamento e instabilidade emocional).
Este modelo organizativo aborda competências socioemocionais diversas que dão conta de múltiplas características humanas. Conheça mais profundamente sobre o tema aqui.
Composta por módulos, a Plataforma S aborda todas as famílias de competências socioemocionais do modelo “Big Five” – o mesmo usado pela OCDE. “Essas cinco grandes famílias não dependem de cultura, elas são características humanas”, ressalta Celso Lopes. O psiquiatra faz uma analogia apontando essas competências como musculaturas que as pessoas vão desenvolvendo e fortalecendo ao longo da vida, entendendo quando usar cada uma delas (juntas ou separadamente).
“Por exemplo: o engajamento com os outros é uma competência de aproximação. Conseguir se apresentar, conseguir falar, colocar suas necessidades é a assertividade. Outra competência, que permite a máxima cooperação pelos grupos, é a ‘família’ da amabilidade”, exemplifica.
Leitura dos resultados
Quando compilados, os dados sobre competências socioemocionais ajudam a identificar fraquezas e forças no desenvolvimento de habilidades. É possível ver se as habilidades de autogestão e abertura ao novo, por exemplo, estão bem desenvolvidas, ou se a criatividade – que está relacionada a aspectos emocionais – precisa de uma atenção.
“Se você já tem uma avaliação inicial da sua turma em habilidades socioemocionais, encontrou os pontos fortes e fracos, você vai aplicar uma intervenção específica e depois é preciso monitorar o progresso aplicando novamente a escala e fazendo uma comparação das pontuações pré e pós-intervenção, identificando melhorias e necessidade adicionais”, pontua Giuliana.
A professora Paola conta que algo que chamou bastante a atenção de sua turma ao usar a Plataforma S foi a possibilidade de se autoavaliar. “Eles têm expectativa de quando voltarão a fazer o teste e possam comparar no que melhoraram”, relata. Ela também considera que esse exercício permite aos alunos uma espécie de “despertar” para o autoconhecimento.
Gerente de Advocacy no Instituto Ayrton Senna, Silvia Lima destaca que as avaliações socioemocionais funcionam, de fato, como um convite para que os estudantes olhem para si mesmos. “A partir daí e de forma protagônica, sendo eles corresponsáveis pelo seu desenvolvimento e aprendizagem junto com o professor, podem pensar o que é possível aprimorar e desenvolver nas competências que eles próprios identificaram ser necessário melhorar”, diz.
Como exemplo, Silvia cita que se o estudante notar que precisa desenvolver persistência ou determinação, competências socioemocionais dentro da macrocompetência autogestão, ele pode pensar com o professor e outros colegas como, de forma intencional, pode desenvolver essas competências – e, ao mesmo tempo, avaliar se está conseguindo alcançá-las.
“Por isso é um exercício de autoconhecimento, porque a cada momento [o aluno] é convidado a se olhar e ver no que está avançando e no que precisa aperfeiçoar, entendendo que não se trata de uma questão de valor ou de uma competência que seja mais importante que a outra”, esclarece.
Celso sugere, ainda, que as avaliações sejam feitas todo início de ano. “Com isso, eu vou poder fazer um acompanhamento da turma e, ao mesmo tempo, saber quais competências são prioritárias.”
As avaliações servem como apoio, mas não como mecanismo de rotulação dos estudantes. Por isso, é importante observar as informações prévias, mas também atuar com um acompanhamento, reforça o psiquiatra.
Conhecer para agir
O preenchimento de uma avaliação socioemocional pelos estudantes cria um retrato de como eles se percebem. Mais do que uma construção de imagem individual, diz Silvia Lima, esse retrato da turma como um todo possibilita pensar estratégias e reconhecer quais competências socioemocionais precisam ser desenvolvidas.
Ou seja, entende-se a avaliação não em um sentido de diagnóstico, mas de percepção, que possibilita conceber um perfil da turma em termos socioemocionais.
Silvia afirma ainda que é a partir de um primeiro mapeamento que ações poderão ser pensadas de maneira mais intencional. “Nós entendemos que é preciso ter essa soma de uma avaliação diagnóstica e de uma avaliação formativa, para que tanto professores quanto estudantes possam acompanhar esse desenvolvimento ao longo do ano.”
Avaliar – e monitorar os resultados – serve, portanto, para que se verifique se as competências estão ou não sendo desenvolvidas e, se houver a necessidade, investir um pouco mais naquelas que precisam de mais atenção.
Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira / Vinícius de Oliveira / Ana Luísa DMaschio