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Com uma agrofloresta, escola amplia oportunidades de aprendizagem sobre meio ambiente

Escola localizada em uma chácara no Distrito Federal se dedica a ensinar agricultura sintrópica a estudantes visando relação mais próxima com o meio ambiente

Arremessar bombas de sementes, construir uma casa de taipa e voltar para casa cheios de lama. Essas são ações cotidianas para os estudantes da Escola da Árvore, que fica em Brasília (DF). Estar em contato com a natureza é um dos pilares da escola, que atende crianças desde a educação infantil até o ensino fundamental 2.

“Quando eu comecei a escola, reuni três eixos que não estava encontrando nos espaços escolares que busquei: natureza, movimento e diversidade”, conta Letícia Araújo, fundadora e diretora da Escola da Árvore

A educadora tinha muitas perguntas sobre a relação das crianças com elementos da natureza: “Por que elas têm medo de inseto? Por que não gostam pisar na grama?” A partir dessa reflexão, ela compreendeu que havia a necessidade de investir na relação escola e natureza.

“Somente em minha fase adulta, eu reconheci que também sou natureza, e as crianças que estão chegando na Escola da Árvore já aprendem isso desde muito novinhas”, conta. Ela fundou a escola em 2015 e tudo começou com apenas três alunos, sendo um deles seu próprio filho.

Um dos esforços da escola é incutir nas crianças uma mentalidade voltada para a sustentabilidade, tendo como objetivo torná-las cidadãs comprometidas com a defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e da diversidade.

“Se a criança compreender que também faz parte da natureza e que não adianta acabar com os recursos do planeta – porque se o planeta acabar, nós acabamos junto –, isso faz todo o sentido. E quando esse conceito é entrelaçado, temos mais chances de sobreviver com qualidade de vida e de forma mais integrada”, afirmou Letícia.

A educação ambiental, para Letícia, deve ser tratada como tema estruturante, a partir do qual outros conteúdos podem ser desenvolvidos. Na Escola da Árvore, a agrofloresta entra no currículo como outras aulas complementares – por exemplo, musicalização, educação física, inglês etc – uma vez por semana.

‘Jardinagem de guerrilha‘

As “bombas” citadas no início do texto fazem parte do projeto de reflorestamento da escola. Durante as aulas sobre agrofloresta, ministradas pelo professor Rafael Cardoso, as crianças aprendem sobre recuperação do solo, tratamento de resíduos e água e a respeito da flora local.

Após coletar sementes de árvores do Cerrado brasileiro, os estudantes prepararam pequenas esferas para serem arremessadas em áreas próximas à escola, como parte do esforço de reflorestamento. Letícia compara esse processo a uma forma de guerrilha, por isso o nome “bombas de semente”.

“Eles (estudantes) saem daqui muito empoderados, com a concepção e certeza de que estariam reflorestando onde lançarem as ‘bombas’. Eles passaram uma semana inteira preparando substrato e pegando as sementes para criar esse material”, conta Letícia.

Rafael acrescenta que a proposta também é preservar as áreas adquiridas pela escola que antes eram usadas como pastagem ou no plantio de milho e soja. Há um trabalho de recuperação do solo feito por meio da agricultura sintrópica: “Muitos produtores queimam o solo, o que faz com que a terra deixe de produzir com o tempo. A agricultura sintrópica atua sobre uma área degradada, olha como a floresta funciona e imita esse funcionamento, acelerando o processo de recuperação”, diz.

Para o desenvolvimento de uma agrofloresta, são usadas plantas de crescimento rápido. A matéria orgânica produzida pelas próprias árvores gera nutrientes para o solo, o que consequentemente as fortalece, em um movimento contrário à agricultura convencional.

O que é uma agrofloresta?

A agrofloresta é um sistema que simula o que acontece nos ecossistemas naturais, ou seja, diferentes espécies de árvores e plantas são cultivadas juntas, conciliando a produção de alimentos com a recuperação do solo.

Ela é diferente da monocultura, mais presente na agricultura convencional.

Essa técnica existe desde os primórdios da agricultura e auxilia na manutenção da sustentabilidade, além de não agredir o solo.

Para construir uma área de agrofloresta, contudo, é preciso realizar um diagnóstico das condições de cada localidade, como tipo de solo, histórico do uso de solo, relevo etc. Além disso, é importante contar com um profissional que entenda como funciona o sistema e possa desenvolvê-lo da melhor forma possível.

Formado em gestão ambiental, Rafael é também pai de um aluno matriculado na escola. Algo comum, eles explicam, é que as famílias se engajem muito com todas as atividades da escola, que atualmente atende a 240 crianças.

As famílias que fazem parte da escola possuem um perfil específico e, em sua maioria, buscavam o mesmo que Letícia quando fundou a escola: um espaço que incentive o contato com a natureza, que valorize as diversidades e atue em defesa dos direitos humanos.

“Nós somos uma escola privada sem fins lucrativos, com 36% de alunos bolsistas. De 240 crianças, 79 são negras, o que para Brasília é bem fora da curva”, conta a diretora.

Não apenas entre os alunos há uma busca por diversidade, como também no corpo docente e equipe pedagógica. 50% desse grupo é composto por pessoas negras.

Para além das atividades pedagógicas, a agrofloresta também abastece com alimentos orgânicos a cozinha da escola e facilita o preparo de refeições saudáveis. O trabalho com agrofloresta se estende para ações políticas de engajamento com a comunidade local.

“Estamos localizados em um local de disputa imobiliária severa que quer transformar a serra em um empreendimento e a gente discute isso nos projetos pedagógicos”, conta Letícia. “A escola ajuda também de uma forma política a tentar preservar esse território, a questão ambiental sai da sala de aula e alcança outros espaços”, complementa.

Natureza que ensina 

Rafael destaca que há uma interação grande dos estudantes que estão na escola desde a educação infantil. Para eles, mexer na terra, se sujar de lama ou conhecer as árvores é um movimento mais natural do que para quem chegou à instituição apenas no ensino fundamental.

Com essas crianças e adolescentes que chegaram depois, os docentes destacam que respeitam caso elas não queiram se sujar tanto de imediato, mas há sempre um incentivo para conhecer melhor e afunilar o contato com a natureza.

“A natureza é pedagógica organicamente”, destaca Letícia. E não somente para aprender sobre os nomes das plantas e para o quê servem, como também para outros aspectos.

Ao fazer com que as crianças observem o ciclo de uma jabuticabeira, por exemplo, a escola ensina como as coisas levam um tempo para acontecer, em uma tentativa oposta à instantaneidade que as mídias sociais e aparelhos eletrônicos demandam hoje em dia.

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira 

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