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Com ajuda de brinquedos, professora do fundamental incentiva alunos a ligar a câmera

Professora de sétimo ano planejou aula na qual os alunos escolheram um bichinho de pelúcia, boneco ou animalzinho de estimação para que os fizessem companhia

Depois de sete anos trabalhando em uma Secretaria Municipal de Educação, como componente da equipe de dois diferentes departamentos voltados para a organização pedagógica e da gestão de projetos educacionais que atende aproximadamente 60 mil alunos do ensino fundamental 1 e 2 (regular e EJA), neste fevereiro de 2021 retornei para as minhas atividades como professora de ciências na sala de aula.

Logo no primeiro dia, abri um diálogo com os alunos, que neste ambiente, seriam os mais experientes com as aulas remotas, já que, até no ano passado estava afastada das aulas para essas outras atividades acima descritas. Então, eles me aconselharam, me deram dicas de como funciona esse novo universo escolar remoto a partir da perspectiva de cada um.

Durante meus 19 anos de docência, já tive oportunidade de trabalhar com o uso de tecnologias em sala de aula. Sempre que surgia um tema que julgava oportuno, sugeria aos alunos que utilizassem, dentro de nossas possibilidades de escola pública periférica, as tecnologias como aliadas ao aprendizado. Assim, vez ou outra produzíamos vídeos de músicas, paródias, gravação de entrevistas, uso de redes sociais para publicação de trabalhos produzidos em aula, visita em páginas voltadas à ciência educacional, entre outros. Lembro-me de projetos que renderam muitos frutos positivos, movimentou e engajou alguns de meus colegas professores, a gestão escolar e, com a inserção do uso de redes sociais, ampliamos a conexão com a comunidade – como pode ser visto nos comentários deixados por alunos em minha página pessoal, sobre o projeto ‘Sexualidade na cabeça”, desenvolvido no ano de 2012. Um dos vídeos feitos pelos alunos há nove anos ainda hoje está em uma plataforma e sempre é revisto com muita saudade.

A rede de ensino que trabalho atualmente está empenhada há alguns anos no uso das tecnologias a favor da educação. Como escola pública, demos passos grandes que minimizaram, pelo menos parcialmente, os danos causados pela mudança abrupta para o ensino remoto. As experiências possíveis com aqueles que conseguem participar das aulas remotas têm sido muito significativas e importantes. As atividades elaboradas para os alunos que não acessam as aulas síncronas são planejadas com o mesmo empenho e preocupação pedagógica, no entanto, o contato semanal fica prejudicado e, consequentemente impacta a aprendizagem, demonstrando que a conectividade para todos os estudantes brasileiros se tornou uma política pública necessária e urgente.

Neste contexto, preparei uma atividade de acolhimento para o primeiro dia de aula de 2021 dos meus alunos do sétimo ano, visando compreender como os estudantes se sentem nesse momento de volta às aulas, ainda em ambiente remoto. Assistimos a um curta metragem que trata sobre a importância do trabalho em grupo, conversamos sobre momentos difíceis que podem ser superados em conjunto e entendemos que o momento que vivemos exige algumas responsabilidades e também paciência. O diálogo foi excelente.

Apliquei uma atividade para saber o que pensavam sobre a volta às aulas e como poderia esperar, eles estavam muito ansiosos para a volta presencial, no entanto, parte deles se sentem seguros com a atual conjuntura pandêmica com a permanência das aulas remotas.

Mesmo com o engajamento que percebi, nesse dia quase ninguém abriu as câmeras. Um aluno em especial me chamou a atenção e também de toda a turma. Ele não poderia passar despercebido. Olhos grandes, um nariz redondinho pretinho e o pelo marronzinho. Era o Caramelo.

Ele é o ursinho de pelúcia de um dos alunos que se sente mais seguro em aparecer com ele frente às câmeras. O amigão do Caramelo é uma criança com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e estar com seu ursinho nas aulas online o traz mais tranquilidade.

A diversidade humana é refletida na sala de aula, sem dúvidas. Em muitas outras ocasiões já tive oportunidade de trabalhar com alunos com algum déficit cognitivo ou transtornos, que necessitavam de atenção na sua forma de aprender, de perceber o mundo e também de nos ensinar. São oportunidades desafiadoras de conhecer o nosso potencial de buscar caminhos para incluí-los pedagogicamente. E, o que é senão a vida, a não ser um eterno aprender?

Mais de um mês de aula e Caramelo está sempre lá. Sempre chamando atenção da galerinha.

Para mim, são muitas horas empenhadas na elaboração dos resumos, roteiros, curadoria de materiais e vídeos, atividades, sugestões de sites, avaliação, planilhas de acompanhamento, entre outras documentações pedagógicas e, nestes momentos de dedicação documental, sentada entre meus papéis, me senti angustiada com a questão das câmeras dos meus alunos fechadas durante as aulas síncronas. Uma das muitas angústias dos professores em tempos de pandemia é a dificuldade dos alunos em abrir as câmeras, sinto que este não é um lugar somente meu.

Foi aí que nasceu a ideia de trazer Caramelo para mais “perto” de mim. Uma aula síncrona especial, com o ursinho do meu aluno. Planejei a aula e convidei os demais estudantes para que escolhessem um bichinho de pelúcia, boneco ou até mesmo o animalzinho de estimação para que os acompanhassem em uma transmissão de aula online naquela primeira quinzena de março. Seria a nossa “AULA CARAMELO”.

O resultado foi que mais da metade dos alunos se sentiram à vontade para abrir as câmeras para aparecer, falar, participar, contar os nomes e as histórias dos seus bichinhos. Foi um momento de muita interação, alegria e sem que os alunos talvez percebessem, uma aula de confiança e acolhimento.

Não se tornou regra que os alunos permaneçam com as câmeras abertas, até mesmo por limitações da rede e questões pessoais, mas eles o fazem sem que seja necessário solicitar. Apresentam bichinhos de estimação, pessoas da família etc. Sinto, mesmo que em pouco tempo, que estamos construindo laços que refletirão na nossa relação professora-alunos, mais do que apenas no ensino remoto. Colheremos fruto dessa relação harmoniosa em nossas aulas presenciais, à medida que buscamos estabelecer uma comunicação compreensiva, muito necessária neste momento que vivemos. Comunicação que se que encaminhou para este ponto sem que fossem necessárias palavras, mas somente um narizinho de pelúcia na tela no meu computador.

Eu, como professora que acabei de chegar ao ensino remoto, me senti privilegiada em conhecer o Caramelo, pois ele me possibilitou receber novamente aquela chuva de olhares que a sala de aula presencial nos permite e que o ensino remoto dificulta, principalmente com as câmeras fechadas. Perceber os sorrisos, as expressões e conhecer a carinha de cada um é um dos combustíveis de quem dedica a vida a forma presencial de ensinar.

Assim, sinto que Caramelo abriu as portas pra mim, nesse momento representadas pelas câmeras em cada casa de meus alunos.

Cassia Cristina dos Santos - Com 19 anos de experiência, é professora de ciências do ensino fundamental 2 da EMEF Onofra da Silva, na rede municipal de ensino de Barueri (SP). Já atuou na elaboração de materiais didáticos e avaliações para aplicação para alunos de 4º ao 9º ano relacionados ao componente curricular de ciências.

Fonte: Portal Porvir - Cassia Cristina dos Santos

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