Avaliar sem punir: avaliação formativa constrói jornada de aprendizagem
Modelo cria ambiente de aprendizagem mais colaborativo e voltado à autoria conjunta de educadores e alunos
Para ministrar suas aulas de geomorfologia, de conteúdo denso e bastante descritivo, a professora Léa Camargo sabe que precisa pensar em diferentes metodologias de ensino. Uma das escolhidas é a avaliação formativa: com um planejamento dinâmico e ativo, o modelo coloca os estudantes no centro do processo, por meio de escutas e devolutivas durante a jornada, a fim de ampliar o ensino-aprendizagem. A metodologia também permite ao educador a correção de rotas durante o percurso.
“Como vocês acham que podemos trabalhar esse tema? Alguém tem uma proposta?”, perguntou Léa aos estudantes do primeiro ano do ensino médio. Um deles logo levantou a mão: “Acho legal usarmos HQs (histórias em quadrinhos). Vamos contar a história das formas da superfície Terra e, ao mesmo tempo, trabalhamos com o recurso visual.” A turma toda adorou a ideia.
“Coletivamente, construímos o roteiro das HQs. Os grupos se dividiram para criar suas histórias. Cada um sabia quanto iria valer, por exemplo, a contextualização das eras geológicas, e todas as abordagens. No meio do caminho, eles sugeriram deixar um campo aberto, chamado ‘Me surpreenda’, para expor o mais importante do aprendizado. E eu topei o desafio”, relembra Léa, que também é formadora do Instituto iungo.
Estimular a criatividade e o protagonismo do aluno, deixando de lado rigidez do planejamento e das provas tradicionais, são características que apoiam o trabalho do educador que segue a metodologia. “Trata-se de uma avaliação que está preocupada com o percurso e não com o produto final. A avaliação formativa oferece instrumentos para o aluno compreender seu próprio processo de aprendizagem: ‘Como eu aprendo, o que faz sentido para mim, quais são meus pontos fortes, o que eu preciso rever?”, explica Léa.
Fernanda Rodrigues de Oliveira, assessora de gestão do NIG (Núcleo de Inteligência em Gestão), da Secretaria de Educação do Amazonas, também ressalta que o feedback (retorno avaliativo) oferecido pelo professor durante o processo é contínuo e construtivo. “O aluno identifica suas forças e fraquezas, fazendo os ajustes necessários durante a aprendizagem, com o apoio do professor e da escola. Isso é refletido em seu interesse e na autoconfiança”, complementa.
O modelo permite ainda que o professor olhe de maneira reflexiva e flexível para a sua prática, também enriquecendo o próprio aprendizado. “O educador pode ajustar e otimizar estratégias de ensino para atender as necessidades individuais e não punir ou classificar, como acontece na educação como acontece na avaliação tradicional. E essa adaptação pode garantir o suporte necessário para o sucesso acadêmico dos estudantes”, avalia.
Outro aspecto interessante da avaliação formativa é trabalhar com o erro, ressalta a pedagoga Renata Monaco, articuladora da equipe do Instituto iungo. “Desconstruir a ideia de que errar é ruim é um convite que a avaliação formativa nos faz, porque o erro revela como o estudante está pensando. Nessa perspectiva de avaliação formativa, o erro é acolhido e é feito um trabalho a partir dele.”
Para Renata, as atividades desse modelo precisam ser compostas por uma variedade de instrumentos para dar oportunidades diferenciadas de expressão. “A avaliação formativa deve entender onde os estudantes estão e o que necessitam para continuar aprendendo, aumentando os espaços de diálogo”, pontua.
Fontes para consulta
Confira as sugestões de Renata Monaco para estudar e se aprofundar na avaliação formativa:
– Philippe Perrenoud, referência neste debate.
– Cipriano Carlos Luckesi traz um diálogo muito responsável sobre o quanto a prática avaliativa deve ser integradora e não classificatória ou excludente. Ele fala sobre educação amorosa, tema muito pertinente, mas pouco presente nas práticas.
– Antoni Zabala também é outro nome importante e recomendo aos educadores a trilha formativa “O lugar da avaliação”, disponível na plataforma Nosso Ensino Médio.”
Leitura do mundo
Na contramão do antigo modelo de educação bancária, a avaliação formativa se compromete com o acolhimento das realidades escolares. “O mesmo professor pode trabalhar os mesmos objetos de conhecimento em duas escolas, mas em cada uma delas terá suas peculiaridades, por isso a avaliação não será a mesma”, comenta Léa.
Marisa Balthasar, também formadora do iungo, reforça que esse modelo de avaliação apoia o professor a ter práticas mais intencionais desde o planejamento. “A avaliação formativa começa quando estou pensando nos alunos, nos seus repertórios, nas aprendizagens que eles possuem e precisam alcançar. Quais são as atividades mais interessantes para desenvolver essa aprendizagem? É preciso ter clareza na jornada e do que se espera.”
Contudo, as estratégias não precisam ser mirabolantes, e sim efetivas. “Em um problema de matemática, por exemplo, podemos criar uma roda de conversa para entender as diferentes soluções. Posso aprender também com a prática dos outros educadores”, sugere.
Nesse sentido, Marisa compartilha duas lembranças que vivenciou durante seu trabalho como formadora. “Um professor de educação física, ao final do percurso, costumava perguntar aos alunos sobre o aprendizado, o que deu certo, o que não deu, como ele poderia melhorar. Outra educadora recolhia as avaliações e sinalizava o que não estava adequado, provocando o estudante a repensar o caminho, e eles podiam retomar todos os registros ao longo da jornada. Assim, a prova ficava enriquecida com as observações do professor e o estudante partia para um novo processo de resolução. Você tira o lugar exato do ‘certo ou errado’ e convida para a reflexão.”
Articulação e aprendizado
No Amazonas, os professores são convidados a entregar um relatório de práticas exitosas a cada semestre, compartilhadas com todas as escolas do estado. Por lá, uma formação coordenada por Fernanda ganhou o nome de “Puxirum de Aprendizagem”. A palavra Puxirum vem do tupi-guarani e quer dizer trabalho em grupo, mutirão, e nesses encontros os professores estudaram temas específicos do ensino médio, metodologias ativas e a avaliação formativa.
“Quando há articulação com outros educadores, e eu não fico limitado só pelos meus compromissos do meu componente curricular, consigo ter uma visão do estudante em sua integridade. Isso é fundamental em um processo de recomposição de aprendizagens“, aponta Marisa, referindo-se ao cenário educacional pós-pandemia. Com esse olhar holístico, complementa Fernanda, é possível fortalecer o próprio engajamento acadêmico e também pensar no desempenho do aluno, porque ele acredita no que vai vivenciar.
“Mas não podemos nos esquecer da formação continuada. As secretarias precisam oferecer programas de treinamentos específicos que orientem professores sobre a importância das avaliações formativas e como implementá-las em sala de aula”, finaliza.
Como integrar a avaliação formativa ao ensino médio?
Fernanda Rodrigues de Oliveira sugere sete passos para efetivar o modelo na prática pedagógica:
- Definir as metas de aprendizagem. Desde o começo do ano letivo, é preciso estabelecer e compartilhar as metas com os estudantes. Isso ajuda no processo de avaliação formativa durante todo o período escolar. Caso note não alcançar o sucesso desejado, é possível retomar o diálogo, sempre com clareza.
- Incluir múltiplos métodos de avaliação. Além das tradicionais provas escritas, dos simulados que sistemas e secretarias de educação ainda estabelecem em suas normativas, é fundamental ter variedade de métodos de avaliação, permitindo o aprendizado para além da prova.
- Oferecer feedback direcionado e regular. Professores devem fazer comentários específicos e orientar os alunos para que eles entendam suas áreas de força, e o que precisa ser melhorado. Deve ser um feedback construtivo, que apoie o crescimento do aluno.
- Incentivar a autorreflexão. É importante apoiar o aluno a refletir sobre seu próprio progresso e desenvolvimento. Isso pode ser feito por diários de aprendizagem, diários de bordo, portfólios, debates em sala de aula. Isso vai apoiar os estudantes a detectar suas necessidades, apoiá-los em suas metas pessoais e em seus projetos de vida.
- Dialogar com a família. Pais e responsáveis desempenham um papel fundamental na avaliação formativa. É importante mantê-los informados sobre o progresso dos alunos em reuniões regulares, relatórios individuais. A estratégia para o progresso contínuo não pode ficar somente na entrega do boletim escolar, mas sim nos relatórios de desempenhos dos alunos.
- Promover o aprendizado colaborativo entre pares. Quando os alunos se apoiam mutuamente e aprendem juntos. Criar a oportunidade de compartilhar conhecimentos é fundamental para efetivar as práticas da avaliação formativa. Quer bater ideias e se beneficiar dessas perspectivas dele e dos outros colegas.
- Acompanhar continuamente os alunos. Manter os registros atualizados do desempenho de cada aluno permite ajustes na abordagem do ensino caso seja necessário.
Fonte: Portal Porvir - Ana Luísa DMaschio