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4 perguntas para fazer antes de escolher tecnologia na educação

Priorizar as necessidades dos estudantes é dever de todos os envolvidos na gestão educacional, mas antes de adquirir tecnologia para a escola, é importante considerar outros quatro pontos fundamentais. Veja as orientações do novo relatório da Unesco.

Do rádio à Inteligência Artificial generativa, quando e como devemos usar a tecnologia na educação? Quando serve de apoio para o aprendizado e o quanto pode distrair? Precisamos mudar o que (e como) estamos aprendendo com a tecnologia para manter a educação relevante?

O novo Relatório GEM 2023, a principal publicação educacional da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), ajuda a encontrar respostas para essas perguntas, como escreveu Lucia Dellagnelo, integrante do time de especialistas internacionais do relatório, em texto exclusivo para o Porvir.

Existem muitas regulamentações sobre o uso da tecnologia na sociedade, mas elas não são necessariamente relevantes na educação. O relatório pede que os tomadores de decisão retifiquem isso, certificando-se de que priorizamos as necessidades dos alunos depois de nos fazermos quatro perguntas principais:

1. É apropriado?

Nenhum dispositivo sozinho melhorará o aprendizado em todos os lugares para todos. Algumas tecnologias podem apoiar mais alguns tipos de aprendizado em alguns contextos, mas a tecnologia apropriada deve ser escolhida para o seu caso particular.

Os benefícios obtidos com a tecnologia podem desaparecer se ela for usada em excesso ou se não houver professores qualificados. No Peru, 1 milhão de laptops foram distribuídos, mas os professores não foram formados para usá-los e o aprendizado não melhorou. O Brasil certamente conhece casos semelhantes.

Os smartphones são um suporte pedagógico adequado para alguns alunos: por exemplo, eles têm sido usados ??em emergências para a continuidade do aprendizado. No entanto, não têm lugar nas escolas se não apoiarem a aprendizagem. Hoje, menos de um quarto dos países proibiu seu uso nas escolas.

Enquanto cada vez mais conteúdo está sendo colocado online, com muitos recursos de ensino e aprendizagem agora disponíveis para professores e alunos, ele nem sempre é apropriado ao contexto. Quase 90% dos repositórios online de ensino superior foram criados na Europa ou na América do Norte; 92% do material da biblioteca global OER Commons está em inglês.

2. É equitativo?

A tecnologia não precisa ser avançada para ser eficaz no aprendizado de alunos difíceis de alcançar. Há países que se apoiam no rádio, por exemplo. Aulas transmitidas em alta qualidade foram usadas por professores treinados no México e na China para melhorar o processo de aprendizagem. A tecnologia assistiva (usada para devolver ou aproximar as habilidades funcionais das pessoas com deficiências às das pessoas sem deficiência) está substituindo as ferramentas assistivas tradicionais para alunos com deficiências.

Mas o foco deve permanecer nos mais vulneráveis enquanto investimos. Durante a pandemia da Covid-19, muitos alunos confiaram na tecnologia para continuar aprendendo. Contudo, enquanto muitos conseguiram se manter conectados, um terço ficou de fora, chegando a mais de dois terços dos mais pobres.

O Relatório GEM 2023 descreve o direito à educação como cada vez mais sinônimo do direito à conectividade significativa à internet e, no entanto, uma em cada quatro escolas de educação básica em todo mundo ainda não tem eletricidade. O documento pede a todos os países que estabeleçam parâmetros para conectar todas as escolas à internet entre agora e 2030.

3. É escalável?

Olhando para trás, para a dependência da Covid-19 na tecnologia, e agora confrontado com a chegada da IA ??generativa, evidências sólidas, rigorosas e imparciais do impacto que a tecnologia tem no aprendizado são necessárias mais do que nunca. Mas ainda falta dar esse próximo salto. As tecnologias mudam mais rápido do que podemos avaliá-las. A maioria das evidências vêm dos Estados Unidos, onde o What Works Clearinghouse (iniciativa do governo federal dos Estados Unidos) apontou que menos de 2% das intervenções educacionais avaliadas tinham “evidências fortes ou moderadas de eficácia”.

As evidências também costumam ser produzidas pelas próprias empresas de tecnologia, com o risco de serem tendenciosas.

Decidir se devemos ampliar nossas escolhas significa ter uma noção de seus custos de longo prazo, mas muitos ignoram ou desconhecem o quadro completo. Eles geralmente veem os custos iniciais de capital, mas esquecem o preço da manutenção. Isso deixou o mercado de EdTech em expansão, enquanto as necessidades de educação básica permanecem não atendidas.

O relatório calcula que os custos de manutenção de uma transformação digital completa da educação com conectividade à internet em escolas e residências custariam mais de US$ 1 bilhão por dia em países de média e baixa renda.

4. É sustentável?

Os sistemas educacionais lutam para se adaptar ao ritmo acelerado das mudanças tecnológicas. O faturamento dos produtos de tecnologia educacional é de três anos em média, mas a reforma curricular ocorre a cada dez anos. Isso significa que os países não podem esperar reagir a cada novo dispositivo no mercado. Eles devem mapear e priorizar as habilidades digitais que desejam ensinar aos alunos e professores que resistirão ao teste do tempo.

Uma visão de um futuro sustentável significa também proteger os direitos dos usuários de tecnologia. Existem riscos significativos para a privacidade e segurança online das crianças com o aumento do uso da tecnologia e sem regulamentações para protegê-los. Uma análise avaliou 163 produtos de tecnologia educacional e descobriu que nove em cada dez deles poderiam vasculhar informações de crianças, mas atualmente apenas 16% dos países protegem a privacidade dos dados das crianças por lei.

O futuro do nosso planeta é o nosso futuro, e nosso consumo de energia e lixo eletrônico como resultado de compras de tecnologia na educação devem ser responsáveis.

Muitos perguntam “como” devemos mudar a educação para absorver a tecnologia. Este relatório nos pede para questionar “por que’ e “se” isso melhorará o aprendizado antes de investirmos. Ele enfatiza os riscos de errar, desde invasões de privacidade das crianças, impacto no bem-estar e segurança de professores e alunos, até nos distrair do aprendizado, desinformação, plágio e muito mais. As apostas são altas. E, se não aprendermos com a história, os erros do passado na forma como usamos a tecnologia na educação até agora, vamos apenas repeti-los, mas em escala maior. As ramificações – negativas e positivas – serão agravadas à medida que as tecnologias se expandem – a menos que paremos para refletir.

O Relatório GEM 2023 conclui que é fundamental aprender a viver com e sem tecnologia digital; tirar o que é necessário de uma abundância de informações, mas ignorar o que não é necessário para permitir que a tecnologia apoie, mas nunca suplante, a conexão humana na qual o ensino e a aprendizagem se baseiam. Aprendemos melhor juntos.

*Com informações do Relatório GEM de 2023, intitulado “Tecnologia na educação: uma ferramenta nos termos de quem?”.

Fonte: Portal Porvir - Redação

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